segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O fim do silêncio

O título ficou parecendo um trocadilho sem graça, mas não era para ser. A ausência nos últimos dias não foi proposital. Eu simplesmente não sabia como encerrar o capítulo final, então coloquei o blog em compasso de espera ...

Estou de volta ao Brasil. As pessoas me perguntam "E agora, como vai ser?" 

"Não sei. Vai ser como tiver que ser". Tem muito trabalho pela frente, do tipo antigo e do tipo novo.

O que eu sei mesmo é que o silêncio no Brasil é bem mais complicado do que em Dhaka, por mais contraditório que isso possa parecer. Ainda mais na época de Natal.


A aventura desse blog está oficialmente encerrada. Ano que vem volto com novidades.
 
O silêncio em Dhaka chega ao fim.
 

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A suástica do bem

Nas andanças pela Índia notamos que muitas mulheres tinham tatuagens em forma de pequenas suásticas no antebraço. Da primeira vez achamos que poderia se tratar de uma hindu maluca, por mais contraditório e absurdo que isso pudesse parecer, mas depois de duas, três, quatro, cinco pessoas usando imagens tão semelhantes, tivemos que recorrer ao nosso guia.

"Marina, a palavra suástica deriva do sânscrito svastika, e é um amuleto de sorte no hinduísmo. A marca da suástica é usada há mais de um milênio e meio no Oriente (não apenas na religião Hindu) e até ser relacionada com o Nazismo não chamou muita atenção do mundo ocidental".

Choque. Quanto mais tempo você fica nesse canto do mundo, mais você entende que não sabe nada sobre nada e que a história do mundo ocidental ainda está engatinhando ...

"Como é que é? Além dele ter feito o que ele fez, ele ainda pegou um símbolo sagrado no Oriente e o relacionou ao Nazismo?"

"Sim". 

A suástica que era usada pelo Hitler tinha os braços apontando para o sentido horário, ou seja, indo para a direita. A suástica usada pelos Hindus está em outra posição:



A tradução literal da palavra em sânscrito é: "bom, bem" (su) + "ser" (asti) + "forma diminuta" (ca) = "pequenas coisas associadas ao bem-ser", ou, no bom e velho português, a arte de viver bem, de forma simples"

A expressão apareceu a primeira vez na literatura hindu nos clássicos épicos em sânscrito de Ramayana e Mahabharata. Falando nisso, as histórias desses épicos são incríveis e deliciosas ... e tem muita literatura sobre o assunto na Índia ... Irresistível.

Depois da explicação do guia, começamos a reparar que a suástica é usada em todo lugar por aqui:  nos templos, nos túmulos, nos altares, nas pinturas, gravuras e ... claro, nas tatuagens dos mais jovens.

Aprendi também que os hindus acreditam que a marca é muito "auspiciosa" e carrega um significado ainda maior do que "a arte de viver simplesmente, e bem". Para eles, há muitos significados por trás do símbolo. Descrevo abaixo uma das explicações de que mais gostei:
 
"Cada um dos braços do símbolo (são 4) representam uma etapa da vida de cada ser humano. A primeira etapa, é a etapa de crescimento, educação, entendimento do mundo e das pessoas. A segunda etapa é a etapa de constituição de família e manutenção de laços com pessoas queridas. A terceira etapa é aquela de passar aos filhos e aos mais jovens os ensinamentos da vida. E a quarta e última etapa, é a etapa do desprendimento total. Desapego dos valores materiais e crescimento dos valores espirituais".
 
E pensar que um alemão confuso e perdido conseguiu vincular "isso" à "aquilo".
 
A versão original é sempre a melhor. A regra aqui não tem exceção.  

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Notícias de Bangla

Hoje troquei alguns emails e telefonemas com meus amigos do Grameen e fiquei curiosa para saber como está a situação política de Bangla.

A Suprema Corte não aceitou as últimas 3 apelações de Khaleda e a ex-primeira ministra está oficialmente sem casa e sem recursos legais. Agora não tem mais volta. O pessoal do governo diz que os advogados de Khaleda perderam a batalha legal de propósito, para que ela pudesse usar o evento como motivo para uma rebelição e tentativa de golpe de estado.... Teoria da conspiração? Quando eu estava lá, tudo parecia bem possível e provável ...

O país está vivendo uma nova onda de greves gerais, apoiadas pelo BNP e seus aliados, e só nas últimas 24 horas 50 manifestantes foram feridos e encaminhados para o hospital e mais de 300 foram presos ... Lá em Bangla é assim ... conta-se de 10 em 10 e não de 1 em 1 ...

Os membros do Congresso que são do BNP não estão comparecendo às sessões porque dizem que não existe clima de diálogo e todos estão constrangidos com o episódio da Khaleda ... ainda não entendi quem está mais constrangido ....

De resto, as notícias são bem parecidas com aquelas que deixei em Bangla, na semana passada ...

A história de Shajahan e Mumtaz Mahal

Taj Mahal às 6:55 da manhã



Era uma vez um imperador muçulmano, perdidamente apaixonado pela sua quarta esposa, que queria construir um monumento inteiro em mármore para homenageá-la depois de sua morte. Shajahan tinha uma fortuna equivalente a USD 1 bilhão nos dias de hoje, tempo e paciência. Resultado: o Taj Mahal.

Shajahan ficou casado com Mumtaz por 17 anos, e teve com ela 14 filhos, dos quais 7 sobreviveram. No 14º parto, Mumtaz faleceu ... 

Depois da  morte da esposa mais bonita e preferida, Shajahan resolveu construir o Taj Mahal. Fez uma licitação com arquitetos do mundo todo e por fim escolheu: 2 indianos muçulmanos e um italiano. O monumento demorou 22 anos para terminar (perto de 1630) e consumiu mais de 50% da fortuna de Shajahan. Para vocês terem uma idéia, todos os demais monumentos desse mesmo imperador na Índia consumiram apenas 5% de sua fortuna. 

Todo o Taj Mahal é de mármore (o melhor que existe, não poroso e translúcido), com desenhos e versos de amor formados por pedras preciosas e semi-preciosas, que são encrustadas à mão no mármore. Um trabalho incrível, de mais de 70 metros de altura. Quem nunca viu, precisa vir aqui. Quem achou que não vale a pena vir para a Índia para ver, permita-me dar uma sugestão: vale sim. E não é só o monumento em si, tudo em torno da construção do Taj é muito bacana. A história do casal, a cultura da época, a religião muçulmana que se misturava bem com a hindu, a arte de encrustrar as pedras no mármore. Muçulmanos  ricos e apaixonados por suas esposas no século XVII eram incríveis ... E é isso mesmo, o monumento símbolo da Índia não é um templo hindu, mas sim um muçulmano. Irônico, não?

Quando o Taj Mahal ficou pronto, Shahajan resolveu construir um monumento igual para ele, em Onix preto. O filho mais velho, achando que o pai estava ficando insano, destronou o pai, colocou ele na prisão, e assumiu o comando da região. Afinal de contas, o pai apaixonado ia quebrar o país para terminar a loucura de amor ... Depois de 8 anos ele morreu e foi enterrado ao lado de Mumtaz. 

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Agra

O retiro no spa de yoga acabou. Depois de uma viagem de 2 horas de avião (pequeno) e outra de trem de 4 horas, chegamos em Agra, a cidade do Taj Mahal.

A companhia ferroviária da Índia é a companhia que mais emprega pessoas no mundo: 5 milhões de empregados, sem contar a geração de empregos indiretos (exemplo: carregador de malas, comerciantes, motoristas de rickshaw da ferroviária, etc). Ao todo são 145 mil kilometros de trilhos, por todo o país. A maior rede ferroviária do mundo. E posso dizer que funciona muito bem. Sempre escutamos notícias no Brasil dos acidentes envolvendo trens desse lado do mundo, mas pouco se fala da eficiência do sistema deles. Além do trem, o metro de Delhi tem mais de 200 kilometros e até 2015 a meta do governo é chegar em 400 kilometros ... São Paulo, com a mesma população de Delhi tem ....hum.... menos de 40 kilometros?


Forte vermelho de Agra

Vista incrível da varanda do hotel ... sim, é o Taj Mahal ...


Uma das salas do forte vermelho
Por do sol cor de rosa

sábado, 27 de novembro de 2010

Do not believe what you have heard

Do not believe what you have heard
Do not believe in tradition because it is handed down many generations
Do not believe because the written statements come from some old sage
Do not believe in conjecture
Do not believe in authority or teachers or elders
But after careful observation and analysis, when it agrees with reason and it will benefit one and all, then accept it and live by it.

                               - Lord Buddha

Vista do Kunjapuri Temple
Outro ângulo ...

Moradora do local

Dehdarun

Viajamos para uma pequena cidade na base do Himalaia chamada Dehdarun. Estamos na margem do Rio Ganges e cercados por montanhas, florestas, macacos, passarinhos e uma reserva de elefantes brancos.

Nosso hotel é um retiro de yoga simples e maravilhoso. Quando você chega aqui recebe orientação sobre todas as atividades que são disponibilizadas aos hóspedes e uma roupa branca. Todos usam! Traje oficial do hotel: chinelo, calça e bata brancas.

Atividades do dia incluem: meditação, trilhas, aulas e discussões sobre Vedanta, ginástica, fotos, massagens, fuga dos macacos (eles são bravos e temos guardas com bambus nas mãos para espantar os bichanos mais atrevidos), visitas a Ashrams locais e descanso. Aqui, com a água do Himalaia, pode-se arriscar escovar os dentes com água da torneira. Até agora, tudo certo. Final de semana perfeito.

Yoga  Spot

Gramado para meditação. No fundo, antigo palácio de um marajá


Escada para o gramado da meditação

Margem do Ganges ... em tese aqui é limpo

Outro lado ...


Nosso Asharam do dia ...


Cerimônia do Ashram: agradecimento ao Ganges pelos benefícios
que o rio traz para a comunidade local

Novas fotos de Delhi

Maior mesquita da Ásia ... quarta maior do mundo

Outro ângulo da mesma mesquita ... Muçulmanos já são 22% da população
da Índia. O país ainda é majoritariamente Hindu, mas a proporção vem mudando

Monumento que homenagea Gandhi

Crianças na rua ...

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

New York, New Delhi

Quem acha que a Índia é pobre precisa ir para Bangladesh. Quem acha que Índia, Paquistão e Bangladesh é tudo meio igual, precisa vir para cá também. E quem veio para a Índia e ficou indignado com a pobreza, então você ainda não viu nada ...

O aeroporto de Delhi é uma surpresa para os ignorantes (me incluía nessa lista). Dá de mil a zero em Guarulhos e concorre com aeroportos modernos da Europa e de outras capitais da Ásia. Não parece que peguei um vôo de apenas 2 horas. Dhaka parece ter ficado em outro planeta. E estar em um país hindu e não mais em um país muçulmano é uma experiência ... de alívio.

A chegada no aeroporto não é tumultuada, a fila da imigração é bem organizada – inclusive para os estrangeiros, os corredores são largos e longos e claros e limpos. O banheiro, desacreditei, também. E não é no chão ...Todo mundo fala inglês! E todos olham para mim ... resolvi usar meu novo outfit adquirido em Bangla para a viagem – achei que ia me sentir menos forasteira, mas para o meu total engano, as mulheres da Índia moderna usam as mesmas roupas que as paulistanas: calças jeans, camisa ou camiseta, jaqueta de couro, casacos modernos e sim, sapatos altos (já contei que não trouxe sapatos altos para cá, certo? Não achei apropriado em Bangladesh, mas na Índia parece que combinariam bem). What the hell? Porque mesmo eu resolvi colocar essa roupa de ET para viajar? Senti-me como uma muçulmana de araque, no meio de uma tribo moderna de hindus. Sem falar no mehedi manchado nas mãos ...

Troquei 100 USD por Rupias (aqui o dólar vale algo próximo de 45 Rupias) e na saída do desembarque logo vi Amid, um indiano de 40 anos, sorriso largo, dentes brancos, com uma plaquinha na mão que levava o meu nome e uma grande van me esperando. Sem turbante.

A entrada da cidade é verde, organizada, com trânsito equivalente a São Paulo ou Nova Iorque (mas definitivamente não Bangla), largas avenidas, poucos semáforos (Nova Delhi foi projetada para ter poucos semáforos e assim fazer o trânsito fluir bem – e funciona). Tem buzina também, mas em outra escala. Tudo surpreendentemente mais avançado do que eu esperava. Claro, não é uma capital ocidental: há pessoas vestidas “a la hindu”, muçulmanos (esses já conheço bem), árvores centenárias, templos, fortes e mesquitas, sobreviventes do Eid nos bairros muçulmanos (cabras e vacas) e bastante gente na rua, mas não dá para começar a comparar com Bangladesh. Precisa passar mais uns 50 ou 60 anos para Bangladesh chegar nessa situação. Mesmo. Claro que estou falando de Nova Delhi, uma capital política importante do país, moderna, mas mesmo assim, essa não é a Índia que eu esperava. Depois de um mês em Bangla, New Delhi feels like New York (depois fui entender que a Old Delhi é bem mais parecida com Bangla, mas mesmo assim, daqui a uns 10 ou 15 anos ...).

Primeiro diálogo do Amid comigo: “Ms. Procknor, I will wait your husband to arrive later this week to deliver your travel package”. Ou seja, até o meu marido chegar na Índia, não terei acesso aos meus vouchers da Índia ... depois de um mês em Bangla, nem quis discutir sobre a questão. “Yes Sir. Thank you”. Tá tudo certo.

Segundo diálogo do Amid comigo: “What? You stayed one whole month in Bangladesh? Why????” Hehehe. Eles não entendem. E olha que eles estão aqui do lado. “You should have come to India before. This is a great country”. Tá tudo certo. Estou aqui agora.

Minha estadia na Índia será uma mistura de trabalho, descanso e diversão. Tenho que terminar algumas discussões e documentos com o Grameen – combinamos de nos falar diariamente, visitar algumas iniciativas de microcrédito na Índia (um grande IPO de um banco de microcrédito acabou de acontecer aqui e vou tentar entender como o modelo deles funciona – até porque eles e o Grameen não se entendem muito bem), e depois, como também sou filha de Deus, um pouco de férias com o Felipe. Além de Delhi, devo passar uns dias em Dehdarun (uma pequena cidade na base do Himalaia) e outros vilarejos dedicados à Yoga e Meditação, depois Agra (onde está o Taj Mahal), e por fim Jaipur e Daipur.

Segunda surpresa da estadia na Índia: o hotel de Delhi é um espetáculo, considerado um dos 10 melhores da Ásia (e acreditem, não custa nem perto de um hotel 3 estrelas em São Paulo). Depois de um mês em Bangla, não é tão difícil ficar bem impressionada com um bom hotel, mas acreditem, esse hotel é fantástico. Excelentes restaurantes, cabeleireiro, barbearia, sala de ginástica, bares, piscina, SPA, jardim, enfim, pacote completo. Para finalizar, e honestamente menos atrativo, uma loja da Channel. E não, não consegui entrar no ritmo consumista da cidade grande. Um mês em Bangla te afeta mais do que parece. Não tenho vontade de comprar nada. Mas vou dar um jeito de fazer as mãos até o final da semana.

Terceira surpresa da estadia na Índia: febre, cansaço e dor no corpo. Fui consultar a cola do meu infectologista e todos os meus sintomas combinavam com várias doenças: início de Malária, Dengue (essa eu já tive e posso dizer que era parecido mesmo), ou, apenas uma virose (o famoso “não sei o que você tem, pode ser qualquer coisa, vamos chamar de virose”). O infectologista disse: “Se você tiver febre, corre para o hospital. Se for Malária, precisa começar a tratar cedo”. Conversei um pouco com o médico do hotel, que pareceu muito calmo e relaxado, tomei um anti-térmico e fui dormir. E fiz isso por 16 horas. Acordei melhor. Não era Malária, nem Dengue. Nada muito importante. Só uma virose qualquer.

Delhi ganhou 3 vezes o prêmio de capital mais arborizada do mundo. A história da cidade tem mais de 5 mil anos e tudo parece incrível. Não dá nem para começar a contar. E nem vou tentar fazer isso, senão o blog rapidamente tornar-se-ia um guia chato e pouco profundo sobre a Índia ...

Quarta surpresa da estadia na Índia: meu guia/intérprete nos próximos 8 dias foi o consultor da Rede Globo na novela Caminho das Índias. Ficou com o elenco por 1 mês e meio aqui e mais 1 mês e meio no Rio. E disse que vai adorar contar todas as fofocas dos bastidores! Noveleiras de plantão, quando eu voltar ao Brasil estarei à disposição. Não seria apropriado abrir essas abobrinhas no blog. Pois é, empreendedores de microcrédito e viajantes de Bangla também gostam de novela ...

Antes de ir dormir na primeira noite de Índia, só consigo pensar no absurdo da divisão da Grande Índia em Paquistão Ocidental e Bangladesh ... o que será que esse povo estava pensando quando concordou com isso? E quem foi o infeliz que teve essa idéia para começo de conversa?












terça-feira, 23 de novembro de 2010

Leitura do mês

Acabei de adquirir dois novos livros para os próximos dias da minha viagem e estou animadíssima.

Como psicopata por história desde a 6ª série, não resisti e comprei "Bangladesh Liberation War, Miths and Facts - How India, U.S., China and the U.S.S.R. Shaped the Outcome", por B. Z. Khazu. O livro conta em detalhes todo o backstage da gerra da libertação de Bangla e tem cópias de documentos secretos dos Estados Unidos e da antiga União Soviética (que foram disponibilizados ao público há alguns anos). Conforme prometido, não vou mais contar os detalhes dessa saga no blog, mas não consegui ficar com tantos pontos de interrogação frente à barbárie que o país sofreu e resolvi me aprofundar.

A segunda aquisição é uma versão incrível de capa dura vermelha, páginas douradas, da "The Bhagavadgita", traduzida por Edvin Arnold e comentada por nada mais, nada menos, que  Mahatma Gandhi. Sir. Edvin Arnold foi um grande poeta inglês, que viveu muitos anos na Índia.

"I was induced to read the Gita by two Englishmen. I say "Induced" because I had no particular desire to read it. When these friends asked me to read it with them, I felt rather ashamed. That I knew nothing about my holy books made me feel miserable.

I did not know Sanskrit well enough to be able to read the Gita without help. They gave me Sir. Edwin Arnold's excellent translation of the poem. I went through the whole of it immediately and was fascinated by it. From that time till now, the last nineteen stanzas of Chapter 2 have ever remained engraved in my heart. They contain the essence of Dharma. I since then have read most other translations and commentaries and listened to many discourses but this is the best translation of all, and the impression made by that first reading, persists."

- Mahatma Gandhi

Não se preocupem, o blog não vai virar pregação religiosa ou de filosofia ... mas eu tenho tentado terminar a Gita há muito tempo e as versões a que tive acesso no Brasil tinham uma linguagem bem complicada. Nunca consegui passar por mais do que meia dúzia de versos (ao todo são 700 versos). Para ser sincera, já tinha desistido desse estudo ... mas depois de saber que até Gandhi demorou para ler a Gita toda, e que essa versão, para a qual ele escreveu um prefácio e faz comentários, é a sua preferida, não resisti. Achei que seria uma boa preparação para a viagem da Índia. Agora vai.


Impressões finais e correções

Hoje li pela primeira vez os posts que escrevi desde o primeiro dia em que saí do Brasil e achei que valeria a pena atualizar algumas impressões e idéias minhas que não se concretizaram durante a viagem, ou que eram equivocadas mesmo ...

Achei melhor fazer isso em um post separado, para não mexer nas minhas descrições originais, as quais descrevem fielmente o que eu enxerguei e senti quando as escrevi ... lá vai a versão verdadeira (ou mais precisa) de alguns fatos:


1. as mulheres que eu vi no portão de embarque em Dubai eram na sua grande maioria muçulmanas e não hindus ... a minha ignorância inicial me levou a acreditar que as mulheres sem cabeça coberta, contentes, falantes e vestindo cores cítricas não eram muçulmanas ... me enganei. Hoje eu consigo distinguir claramente uma "veste" muçulmana de um sári hindu, os penteados, a maquiagem, as tatuagens de rena (nas muçulmanas é sempre nas palmas das mãos e nas hindus é nas costas das mãos) e o símbolo de casamento (muçulmanas colocam um piercing no nariz e hindus fazem uma marca de tinta vermelha na raiz do cabelo). E as muçulmanas falam bem alto, dão risada e fofocam como qualquer mulher e definitivamente fazem mais filhos do que as hindus. Descobri que a população muçulmana no mundo é a que mais cresce, em níveis desconcertantes, inclusive na China e na Índia. Tostines é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho?;

2. as mulheres hindu também cobrem a cabeça e o cabelo, mas em raríssimas ocasiões: nos templos e outros lugares sagrados e para fugir do vento e frio ... elas também podem mostrar a barriga (o que é um escândalo para as mulheres muçulmanas). Em todas as outras situações, elas estão liberadas;

3. todos os motoristas que eu conheci em Bangladesh me roubaram e cobraram caríssimo as minhas viagens do hotel para o Grameen e vice-versa (o caríssimo era menos de 15 dólares cada viagem);

4. nunca mais vi o Sr. Wazed Ali - dei o maior furo nele e esqueci que nos encontraríamos em um dado sábado para fazer um tour pela Old Dhaka. No mesmo final de semana eu estava em Rajshahi;

5. a dinamarquesa foi outro engano. Não que ela não fosse simpática. Era muito. Mas apenas a vi em duas outras ocasiões depois do meu primeiro dia no Grameen. Definitivamente não foi a minha companheira de viagem;

6. ninguém contou para o governo de Bangladesh que está na hora de investir no país. A guerra da independência, que ocorreu em 1971, ainda está presente na destruição, miséria e união da população bengali;

7. quando a Grande Índia foi dividida em Índia e Paquistão, em 1947, Paquistão fez questão de ficar com o pedaço de terra onde é hoje Bangladesh, pois lá já vivia uma grande comunidade muçulmana. Por algum motivo irracional, os ingleses concordaram. Um dos motivos por Bangladesh, quando ainda era Paquistão Oriental, ficar tão isolado e desamparado e cair em miséria ainda maior, foi a própria Índia, que proibia que aviões do Paquistão Ocidental voassem em seu espaço aéreo para ir para o Paquistão Oriental. Desde a separação os dois países são inimigos e odeiam-se até hoje. Até eu já não gosto do Paquistão ... Enfim, toda vez que o Paquistão Oriental tinha um problema envolvendo desastre natural ou doença, Paquistão Ocidental demorava muito tempo para socorrer, também por uma questão logística - isso não os desculpa ou justifica, mas ajuda um pouco a entender a completa falta de comunicação e interação entre os dois países “Paquistão”;

8. o meu post chamado “Primeiras Impressões” está correto em todas as minhas impressões;

9. por uma bagatela extra, você consegue comprar pacote de Cable TV até em Bangladesh. Não são 100 canais ou coisa parecida, mas consegui uns 15 canais adicionais, em inglês, que me ajudaram bastante a entender o país e a região;

10. o povo Bengali realmente ama o time de futebol brasileiro, mas a competição com a Argentina é forte: quase metade das pessoas no interior prefere o time do Maradona (fiz a pergunta em várias reuniões de grupos de mulheres e as turmas eram bem divididas);

11. as caixas de lenço de papel que existem em toda e qualquer mesa e canto de Bangladesh não servem apenas para tratar renite e poluição. A maioria das pessoas come com as mãos e o papel serve também para limpar os dedos após as refeições;

12. a falta de energia é uma verdade constante sempre: nas épocas de chuva e no inverno também. Faça chuva ou faça sol, pode contar que vai acabar a energia umas 5 vezes ao dia;

13. apesar da nova lei, que foi aprovada em 1º de novembro, ordenando que pedestres só podem cruzar as ruas de Bangladesh usando a faixa, tais famosas faixas brancas ainda não foram pintadas e ninguém se preocupa com isso;

14. muita gente morre em acidente de carro ou rickshaw ou ônibus ou CNG por semana;

15. mais da metade dos motoristas de Bangla são analfabetos;

16. mehedi nas mãos só é bacana nas muçulmanas originais. Brasileiras neuróticas pelas unhas não combinam com o costume;

17. a elite de Bangla não mora em Bangla. Eles estão espalhados pela Europa e pelos Estados Unidos. Quem constrói o país? Boa pergunta;

18. a Khaleda parece melhor pessoa que a primeira ministra atual ... mas isso realmente é só mais uma impressão;

19. Bangla produz o melhor algodão do mundo. 


Até que foi bom, não?

Acho que acertei mais do que errei ...

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Começo do fim

Apesar das horas andarem mais devagar nesse canto do mundo, minha estadia em Bangla chega ao fim.

Os últimos dias foram longos e observaram ordem e lógica muito diferentes das que eu estou acostumada no Brasil, mas olhando para trás só consigo ter uma sensação: foi tudo muito rápido. Criei uma rotina e não vi o tempo passar.

Quem me conhece bem, sabe que eu adoro organizar meus dias com pequenas tarefas. Fiz isso aqui também, claro. Todo dia de manhã tinha a leitura do jornal local, a conversa com os garçons e os porteiros do hotel, o bate papo com o motorista do taxi (muitas vezes por meio de mímica, pouquíssimas vezes em inglês), trânsito, moedas aos pedintes, fotos, fotos, fotos, função/trabalho do dia, calor, calor, calor, rickshaw, volta para casa, mais trânsito, ginástica (essa parte não existiu em Rajshahi, claro), jantar (algumas vezes com a companhia do intérprete ou de alguém do Grameen, mas na maioria das vezes sozinha), blog, skype, banho, cama.

No meio disso tudo lavei as mãos mais de dez vezes ao dia, conheci mulheres e crianças, trabalhadores, mendigos, doentes, políticos, embaixadores. Gente triste, gente feliz, gente magra, gente muito magra (não tem gente gorda aqui ...), gente simples, gente mais simples, gente miserável, gente do bem. Gente malandra e esquisita também.

Visitei dezenas de reuniões de centros de mulheres, casas e pequenos negócios, fui em mais de dez branchs do Grameen, conheci visitantes de todos os lugares do mundo. Viajei por três Divisões de Bangla, sobrevivi a longas viagens de ônibus, conheci vilarejos diversos, andei de CNG, rickshaw, taxi, Mercedez branca, ônibus e peguei carona em carro blindado da Unicef.

Convivi com o exército na porta do hotel e no corredor do meu quarto por três dias. Fiquei amiga do esquadrão anti-bomba do hotel e do banco. Aprendi a fazer melaço, fui abastecer o carro com meu motorista em duas ocasiões em que quase ficamos sem combustível (a fila para colocar gás é uma maluquice e depois das 3hs da tarde ninguém consegue gás em Dhaka), fui a dois shoppings centers bengali, a um mercado de frutas, a um mercado de animais, conheci a rua das embaixadas, o bairro "supostamente" dos ricos, visitei mesquitas, templos hindu (a maioria esmagadora deles destruída pelo exército do Paquistão durante a guerra da libertação em 1971), aprendi meia dúzia de expressões em bangla, tomei alguns sustos, participei de um atropelo de cachorro, fiquei chocada em algumas ocasiões, e assustada em outras.


Num momento de baixa de QI, deixei as mulheres de Rajshahi aplicarem mehedi nas minhas mãos (está um horror e essa tinta vermelha não quer sair). Vi uma vaca e uma cabra serem degoladas: uma ao vivo e outra na televisão. Não passei mal nenhum dia! Até prova em contrário, não peguei dengue, ou malária, ou qualquer outra doença esquisita e primitiva. Comi de tudo. Tudo mesmo. Água, só engarrafada, até para escovar os dentes.

Fiz muitas reuniões com a administração do Grameen, conversei algumas vezes com o Professor Yunus, e tentei fotografar e registrar, sem a máquina, na minha mente, tudo o que eu passei nas últimas semanas. Não apenas as imagens, mas os sons do trânsito, o cheiro, o ar, as pessoas, a música, as risadas, os choros, o caos e a energia do país e do povo Bangla. E acreditem, a felicidade e força deles também. Senti mais alegria do que tristeza no último mês. Vivi e aprendi os princípios e a cultura de Bangla e do Grameen e depois de várias semanas, posso dizer que o banco faz algo de especial por aqui. Existem problemas e dificuldades, sim, o programa de microcrédito não é perfeito, mas sem dúvida alguma é muito melhor do que se pode esperar. E consegue ajudar as pessoas, apesar do governo, das greves, das manifestações surreais, da religião, da cultura, da opressão contra as mulheres e das catástrofes naturais que destroem o país, ano sim, ano não. Para completar, o governo de Bangladesh é considerado pela ONU como um dos, senão o mais corrupto do mundo. Mesmo assim, o povo acorda e dorme todo dia, trabalha, planta, colhe, viaja, celebra, produz filmes, escreve livros, se educa e tenta ir para frente. Alguns conseguem, muitos com a ajuda do Grameen, muitos não. Muitos são felizes, contra todas as probabilidades. E muitos são mais serenos que muitos paulistanos nos Jardins.

Por fim, sugeri ao hotel que trocasse o som ambiente do lobby e dos restaurantes, principalmente quando soldados armados e membros do serviço secreto frequentam o local, em meio a uma rebelião nacional. Todos os dias, sem exceção, escutei a trilha sonora de "O Fantásma da Ópera", "Romeu e Julieta" e "Meeting Joe Black", repetidamente, várias vezes ao dia. Algumas vezes ao vivo, com um pianista assustado, tentando acalmar os hóspedes.

Pois é. Essa é a descrição que eu teria feito sobre a minha viagem, se me pedissem para contar, em poucos parágrafos, como foi a minha experiência em Bangla. Apesar das dezenas de posts, sim, acreditem, eu sei ser concisa.

Para aqueles que estiverem entrando no blog pela primeira vez hoje, e tiverem com paciência média, pequena ou nenhuma, você deu sorte: esse post é uma short version, menos dramática, dos últimos dias! Para os colegas de profissão que já viveram uma prova da OAB, esse post é o “Maximilianus” do blog da Procknor. Não tem fotos, não tem detalhes, não tem vírgulas e parênteses, mas resume de forma decente o que eu vivi aqui. Aos não advogados, ou aos advogados CDF, desculpem a piada sem sentido.

Para aqueles que me acompanharam desde o início dessa viagem, e por algum motivo continuam com paciência para ler o que eu escrevo, ainda tenho alguns poucos posts e comentários sobre Bangla, mas sinto informar que eles estão chegando ao fim. Daqui a pouco a aventura da Índia começa. Sensação de missão cumprida, em todos os sentidos.

Enquanto eu tiver audiência, continuarei por aqui.






sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Big Brother

Como nem tudo pode ser notícia séria, nem em Bangladesh, fica o registro do Big Brother da Índia, campeão de audiência por essas bandas, que está recebendo a Pamela Anderson por 3 dias como convidada especial, vestindo um sari branco, minúsculo. Ela cobrou 3,5 milhões de dólares para participar da atração, e declarou, ao entrar na casa, que não é fã de reality shows. Os fans ficaram ofendidos, mas o programa está dando audiência. Mesmo com miséria, fome, malária, guerra, destruição, terrorismo, corrupção, sim, existe espaço para o Big Brother aqui também.

***

Paquistão acaba de ganhar a medalha de ouro de cricket nos jogos asiáticos, justamente contra Bangladesh!!!! Para o país bengali, é como perder para a Argentina, de 3 x 0, na final da Copa do Mundo, em casa!

Khaleda contra-ataca

O jornal de hoje tem notícia de capa sobre a ex-primeira ministra despejada, convocando a população para começar um movimento anti-governo em Bangladesh.

Certainly after Eid, we must launch movement to protect the interest of the people and the country… now there is no other alternative but movement”.

Pensei: “O que será que essa senhora, honrosa viúva, mas humilhada, agora sem casa, chama de “movement”?

Enquanto recebia convidados para celebrar o Eid no Ladies Club de Dhaka, Khaleda deu algumas entrevistas e respondeu magicamente à minha pergunta, dizendo que o governo (o partido que está no comando hoje chama Awami League) deve ser derrubado, "otherwise the country will step back 40 years".

Como é que é? Isso está realmente acontecendo?

Não sei quão normal ou sério é a ex-presidente de Bangladesh ir no jornal para convocar a população para "derrubar" o governo atual, se isso acontece mês sim, mês não, ou se é apenas mais uma piada política local. Só sei que não estarei em Bangla para ver o desenrolar da situação.

Além do movimento contra governo, Khaleda está pedindo que seus aliados no Parlamento façam uma renúncia em massa (?!), como forma de boicote à primeira ministra no poder.

Quote do jornal ... um ser do BNP defendendo a Khaleda:

"They attacked Khaleda Zia, who is our symbol. We will respond, and none of those who unlawfully ousted the chairperson from her house will be spared"

Já não bastasse o sangue derramado no Eid, essa semana em Bangladesh está um tanto quanto truculenta; é bem vinda a hora de passar para o capítulo Índia. Vou visitar programas de microcrédito e social business no país vizinho, aparentemente mais calmo, e depois fazer uma rápida viagem pelo norte. O trabalho com o Grameen continuará até a minha volta para o Brasil, por meio de conference calls e trocas de emails. Viva a tecnologia, o Grameen Phone pré-pago e a Jet Airways, que disponibiliza vôos diários para Delhi, ao preço módico de 250 dólares, na classe executiva.

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Um pouco mais sobre a guerra da independência ... prometo não falar mais desse assunto no blog. É a última vez. Mas achei que valia a pena contar mais um pouquinho da história de Bangla nesse post ...

Já existiu um tempo em que Índia, Paquistão e Bangladesh formaram o território da Grande Índia. Quando a Índia finalmente conseguiu se libertar dos ingleses, o território foi dividido em dois países: Índia e Paquistão, sendo que Paquistão foi dividido em duas regiões (Paquistão Ocidental - hoje o Paquistão, e Paquistão Oriental - hoje Bangladesh). Não entendi o porque da divisão e não fui atrás dos motivos dos ingleses e dos indianos - fica para uma próxima. De qualquer forma, os dois lados do Paquistão ficaram divididos pela Índia.

Por muitos anos Paquistão Oriental foi negligenciado pelo Paquistão Ocidental. O primeiro grande movimento de rebelião do povo bengali foi em 1952, quando estudantes em Dhaka reclamaram o seu direito de considerar a lingua Bangla como lingua oficial do povo da região. Naquela época, Paquistão Ocidental, com medo das influências hindus que cresciam na Índia e no golfo de Bengali, declarou que a única lingua oficial de todo o Paquistão seria o Urdu. Paquistão Ocidental, obviamente, era predominantemente muçulmano. Os tais estudantes foram massacrados pelo exército e os conflitos culturais começaram a piorar.

Em 1971, nas últimas eleições do antigo Paquistão, o então partido da oposição, Awami League (lembram dele? o partido atual da primeira ministra de Bangla?) ganhou TODOS os assentos no Parlamento, exceto por um. Naquele exato dia toda a história do país e da região podia ter sido tão diferente ....

Inconformado, o então presidente do Paquistão, cretino Khan, negou-se a abrir a assembléia nacional e informou ao povo que morava no lado oriental, que não aceitaria os resultados das eleições.

O pessoal do lado oriental se revoltou e invadiu uma estação de rádio em Chittagong e convocou o povo para lutar contra o governo do lado ocidental e declarar a independência da região (pois é, parece que faz parte da cultura do povo Bengali ser convocado em rede nacional para lutar por seus direitos e derrubar governos).

A guerra durou pouco mais de 8 meses e foi considerado o segundo maior genocídio da história da civilização atual, ficando atrás apenas do Holocausto. Também fiquei chocada. Parece que mais de 3 milhões de pessoas que viviam na região em que hoje fica Bangladesh foram exterminadas. Em apenas 3 dias, Khan eliminou toda a elite bengali e começou uma onda de violência e destruição por todo o terrítório que hoje é Bangladesh (muito da paisagem atual do país ainda lembra essa época).

A Índia, já inimiga do Paquistão Ocidental, resolveu apoiar Bangladesh e com isso a guerra acabou melhor para o povo bengali (se é que se pode dizer que alguém ganhou). A então União Soviética também apoiou Bangla. Os Estados Unidos, se ausentou da discussão oficialmente. Segundo meus amigos bengali, extraoficialmente eles apoiaram o Paquistão Ocidental ...

O exército de civis da guerra da independência ficou conhecido como Mukti Bahini - isso mesmo, eram civis que resolveram se unir e lutar contra o exército de Khan. O ídolo dos Mukti Bahini era Che Guevara ... influência do vizinho comunista. Até hoje existem fotos do Che pintadas nas portas e nas ruas de Bangla. Agora entendo porque.  Aliás, demorou um bom tempo para eu convencer o intéprete que o Fidel não era um good guy.

Só para terminar, nos anos seguintes da gerra, entre 1972 e 1974, o país viveu o seu pior momento, com a grande fome que matou milhares de pessoas. Em 1975 Bangla sofreu um golpe militar e depois de alguns anos de confusão, Zia (o marido de Khaleda), então presidente do exército, declarou-se presidente administrativo do país. Em 1978, foram realizadas eleições livres no país e mais de 2/3 do congresso passou a ser representado pelo novo partido da oposição, PNB. Zia foi morto em 1981, novo presidente tomou posse, novo golpe militar, novo presidente morreu, e assim sucessivamente, até que, em 1991, Khaleda foi a segunda mulher a ser eleita como presidente de um país muçulmano em eleições livres. O resto da história é história ... mas todo mundo já viu como acabou.

Khan podia ter morrido um dia antes das eleições de 1971 ....

E pensar que o Yunus começou o Grameen Bank em 1976, no meio dessa confusão. Dá para acreditar?
 

Grameen Bank at a Glance

Dados bacanas e atualizados do Grameen Bank, extraídos diretamente da sala do Professor Yunus:

Em 30 de junho de 2010, o banco já tinha emprestado, desde a sua criação, mais de 9 bilhões de dólares, para mais de 8 milhões de membros, dos quais 97% são mulheres. Hoje o Grameen Bank tem 2.564 branchs espalhadas por Bangladesh, sendo que a maioria delas foi aberta no período entre 2005 a 2009. O banco atende mais de 81.362 vilarejos (como aquele em que eu fiquei hospedada, na Divisão de Rajshahi) e tem mais de 22 mil empregados.

Dos 9 bilhões de dólares emprestados aos membros do Grameen, aproximadamente 8.4 bilhões já foram pagos pelos devedores. A grande maioria em dia, alguns poucos com atrasos ou renegociados, mas foram pagos. A taxa de recuperação total do banco é de 97.2 por cento, contando, inclusive, com os anos de 2008 e 2009 que foram anos difíceis para a indústria de bancos tradicionais.

Os empréstimos que o Grameen concede a seus clientes são 100% financiados pelos depósitos de seus membros (clientes devedores e clientes que apenas investem nas aplicações financeiras do banco). O ratio entre depósitos e empréstimos do banco é de 148%. Desde 1995, o Grameen Bank não recebe doações de terceiros: essa foi uma decisão do próprio Professor Yunus, para provar ao mundo que o seu modelo era auto sustentável.

Desde o dia em que o banco começou a operar, deu lucro todos os anos, exceto em 1983, 1991 e 1992. A receita total gerada pelo Grameen em 2009 foi de 209 milhões de dólares. As despesas totalizaram 204 milhões, sendo que os principais custos foram relacionados com juros pagos aos titulares de certificados de depósito do banco (entre 8 e 12% ao ano, dependendo da aplicação do cliente). Despesas com salários e pessoal somaram 55 milhões de dólares. O lucro líquido total do Grameen Bank em 2009 foi de 5 milhões de dólares.

Em 2009, o banco declarou dividendos a seus acionistas, sendo este o maior valor dentre todos os mais de 400 bancos de Bangladesh. Detalhe: os acionistas do Grameen são os seus próprios clientes, que são titulares de mais de 96% do capital social do banco.

Hoje foi a primeira vez em toda a viagem que me senti fazendo um prospecto ... Valeu a pena!

Para finalizar o post do dia, não consigo evitar. Segue mais uma citação do Professor Yunus (eu sei que estou começando a abusar dessa fórmula, mas não dá para evitar quando você respira muito tempo do lado de um Prêmio Nobel da Paz). Dá vontade de ler e repetir tudo o que esse homem diz:

... ”the more time you spend among poor people, the more you become convinced that poverty is not created by poor people. It is created by the system we have built, the institutions we have designed, the concepts we have formulated. Poverty is an artificial, external imposition on a person. And since it is external, it can be removed” …

… “during the financial crisis (ele está falando de 2008 e 2009), the falsity of the old assumption became even more visible. While big conventional banks with all their collateral were collapsing, microcredit programmes, which do not depend on collateral, continued to be as strong as ever. Will this demonstration make the mainstream financial institutions change their mind? Will they finally open their doors to the poor? …

Não sei como a indústria do microcrédito se comportou em 2008 e 2009 no Brasil ou em outros países ... aqui no Grameen parece que foi realmente apenas uma “marola”, como diria nosso futuro ex presidente ...´

Entrada da sede do Grameen
Mais uma foto da entrada
A galeria do Prêmio Nobel da Paz

Eu, Professor Yunus, Professor Latifee, Jannat, Tamim.