sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Khaleda contra-ataca

O jornal de hoje tem notícia de capa sobre a ex-primeira ministra despejada, convocando a população para começar um movimento anti-governo em Bangladesh.

Certainly after Eid, we must launch movement to protect the interest of the people and the country… now there is no other alternative but movement”.

Pensei: “O que será que essa senhora, honrosa viúva, mas humilhada, agora sem casa, chama de “movement”?

Enquanto recebia convidados para celebrar o Eid no Ladies Club de Dhaka, Khaleda deu algumas entrevistas e respondeu magicamente à minha pergunta, dizendo que o governo (o partido que está no comando hoje chama Awami League) deve ser derrubado, "otherwise the country will step back 40 years".

Como é que é? Isso está realmente acontecendo?

Não sei quão normal ou sério é a ex-presidente de Bangladesh ir no jornal para convocar a população para "derrubar" o governo atual, se isso acontece mês sim, mês não, ou se é apenas mais uma piada política local. Só sei que não estarei em Bangla para ver o desenrolar da situação.

Além do movimento contra governo, Khaleda está pedindo que seus aliados no Parlamento façam uma renúncia em massa (?!), como forma de boicote à primeira ministra no poder.

Quote do jornal ... um ser do BNP defendendo a Khaleda:

"They attacked Khaleda Zia, who is our symbol. We will respond, and none of those who unlawfully ousted the chairperson from her house will be spared"

Já não bastasse o sangue derramado no Eid, essa semana em Bangladesh está um tanto quanto truculenta; é bem vinda a hora de passar para o capítulo Índia. Vou visitar programas de microcrédito e social business no país vizinho, aparentemente mais calmo, e depois fazer uma rápida viagem pelo norte. O trabalho com o Grameen continuará até a minha volta para o Brasil, por meio de conference calls e trocas de emails. Viva a tecnologia, o Grameen Phone pré-pago e a Jet Airways, que disponibiliza vôos diários para Delhi, ao preço módico de 250 dólares, na classe executiva.

***

Um pouco mais sobre a guerra da independência ... prometo não falar mais desse assunto no blog. É a última vez. Mas achei que valia a pena contar mais um pouquinho da história de Bangla nesse post ...

Já existiu um tempo em que Índia, Paquistão e Bangladesh formaram o território da Grande Índia. Quando a Índia finalmente conseguiu se libertar dos ingleses, o território foi dividido em dois países: Índia e Paquistão, sendo que Paquistão foi dividido em duas regiões (Paquistão Ocidental - hoje o Paquistão, e Paquistão Oriental - hoje Bangladesh). Não entendi o porque da divisão e não fui atrás dos motivos dos ingleses e dos indianos - fica para uma próxima. De qualquer forma, os dois lados do Paquistão ficaram divididos pela Índia.

Por muitos anos Paquistão Oriental foi negligenciado pelo Paquistão Ocidental. O primeiro grande movimento de rebelião do povo bengali foi em 1952, quando estudantes em Dhaka reclamaram o seu direito de considerar a lingua Bangla como lingua oficial do povo da região. Naquela época, Paquistão Ocidental, com medo das influências hindus que cresciam na Índia e no golfo de Bengali, declarou que a única lingua oficial de todo o Paquistão seria o Urdu. Paquistão Ocidental, obviamente, era predominantemente muçulmano. Os tais estudantes foram massacrados pelo exército e os conflitos culturais começaram a piorar.

Em 1971, nas últimas eleições do antigo Paquistão, o então partido da oposição, Awami League (lembram dele? o partido atual da primeira ministra de Bangla?) ganhou TODOS os assentos no Parlamento, exceto por um. Naquele exato dia toda a história do país e da região podia ter sido tão diferente ....

Inconformado, o então presidente do Paquistão, cretino Khan, negou-se a abrir a assembléia nacional e informou ao povo que morava no lado oriental, que não aceitaria os resultados das eleições.

O pessoal do lado oriental se revoltou e invadiu uma estação de rádio em Chittagong e convocou o povo para lutar contra o governo do lado ocidental e declarar a independência da região (pois é, parece que faz parte da cultura do povo Bengali ser convocado em rede nacional para lutar por seus direitos e derrubar governos).

A guerra durou pouco mais de 8 meses e foi considerado o segundo maior genocídio da história da civilização atual, ficando atrás apenas do Holocausto. Também fiquei chocada. Parece que mais de 3 milhões de pessoas que viviam na região em que hoje fica Bangladesh foram exterminadas. Em apenas 3 dias, Khan eliminou toda a elite bengali e começou uma onda de violência e destruição por todo o terrítório que hoje é Bangladesh (muito da paisagem atual do país ainda lembra essa época).

A Índia, já inimiga do Paquistão Ocidental, resolveu apoiar Bangladesh e com isso a guerra acabou melhor para o povo bengali (se é que se pode dizer que alguém ganhou). A então União Soviética também apoiou Bangla. Os Estados Unidos, se ausentou da discussão oficialmente. Segundo meus amigos bengali, extraoficialmente eles apoiaram o Paquistão Ocidental ...

O exército de civis da guerra da independência ficou conhecido como Mukti Bahini - isso mesmo, eram civis que resolveram se unir e lutar contra o exército de Khan. O ídolo dos Mukti Bahini era Che Guevara ... influência do vizinho comunista. Até hoje existem fotos do Che pintadas nas portas e nas ruas de Bangla. Agora entendo porque.  Aliás, demorou um bom tempo para eu convencer o intéprete que o Fidel não era um good guy.

Só para terminar, nos anos seguintes da gerra, entre 1972 e 1974, o país viveu o seu pior momento, com a grande fome que matou milhares de pessoas. Em 1975 Bangla sofreu um golpe militar e depois de alguns anos de confusão, Zia (o marido de Khaleda), então presidente do exército, declarou-se presidente administrativo do país. Em 1978, foram realizadas eleições livres no país e mais de 2/3 do congresso passou a ser representado pelo novo partido da oposição, PNB. Zia foi morto em 1981, novo presidente tomou posse, novo golpe militar, novo presidente morreu, e assim sucessivamente, até que, em 1991, Khaleda foi a segunda mulher a ser eleita como presidente de um país muçulmano em eleições livres. O resto da história é história ... mas todo mundo já viu como acabou.

Khan podia ter morrido um dia antes das eleições de 1971 ....

E pensar que o Yunus começou o Grameen Bank em 1976, no meio dessa confusão. Dá para acreditar?
 

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