domingo, 31 de outubro de 2010

Gerador de Energia

Hoje tivemos muitos blackouts durante o dia. Na verdade, estamos tendo esses blackouts desde o dia que cheguei, mas eu ainda não tinha percebido que no hotel temos gerador privado. Aliás, ao prestar atenção nos outdors da cidade no caminho para o banco, percebi que gerador de energia é o produto do momento aqui em Bangladesh (lenços de papel também).

Além das quedas de energia que acontecem aleatoriamente durante o dia, o governo baixou uma lei de racionamento que obriga todos a desligarem a energia durante uma hora por dia.  No caso do Grameen e do hotel, tem gerador.

O incrível dessa situação é a normalidade dela: durante os blackouts de hoje, ficamos no escuro por uns 15 segundos cada vez: ninguém parou de falar, ninguém achou estranho, business as usual. As pessoas vivem com o colapso da energia como um fato consumado da vida. 

Outra notícia intrigante que acompanhei no jornal hoje:

A partir de 1º de novembro de 2010, os pedestres são obrigados, por lei, a atravessar a rua na faixa listrada (de pedestres) ou por meio das passarelas elevadas. O governo está providenciando a pintura das ruas, para que a lei seja implementada e obedecida. (?!!!)

Até hoje (31 de outubro de 2010), a prática de atravessar ruas, avenidas e estradas à pé, em qualquer ponto, com um simples "pezinho" na frente do corpo, para pedir passagem, era estritamente regular.

Adorei.  

Pó, Ruído e Ambientação

São 6 da tarde e eu acabei de chegar no hotel. Antes de começar a relatar o primeiro dia no Grameen Bank, preciso registrar um "viva" merecido para as cadeias de hotéis internacionais, sem design, ultrapassadas, com carpete avermelhado e  parede amarelinha, absolutamente sem charme, mas com ar condicionado, banheiro limpinho, room service impecável, e água engarrafada para escovar os dentes. Alívio completo ao chegar no hotel, depois de uma hora e meia no trânsito caótico e poluído da querida Dhaka. Felicidade ainda maior quando encontro uma lojinha de conveniência aberta, que vende um pouco de tudo, inclusive KitKat, chiclete, batata pringles e coca-cola light (as pessoas em Dhaka não se preocupam com peso e não se encontra facilmente um refrigerante light por aqui).

Hoje o dia começou cedo. Acordei às 5:45. Jet lag continua.

Depois de repassar a programação do dia e conseguir um taxi, cheguei às 10 da manhã na sede do Grameen Bank, em Mirpur - uma região da cidade que, dizem, é uma das mais pobres. Não é diferente de nenhuma das nossas favelas, com a diferença de que aqui não é considerado favela. Bom, aqui também assume-se que não existe violência urbana e bala perdida. Essa diferença é importante. De qualquer forma, existem bombas e outros atentados terroristas. Estamos quites.

A ida e volta de taxi para o Grameen, que demora entre 45  e 90 minutos do hotel (depende do trânsito), custa entre 500 e 700 takas (cada dólar corresponde a 70 takas). O taxista de hoje também não falava inglês, mas era infinitamente mais simpático e menos tímido que o Fahid. A partir de hoje, portanto, o Kamal é o meu novo motorista na cidade. Combinamos (por meio de mímica, "yes" e "no") que as minhas idas e vindas do Grameen serão conduzidas por ele. 

Tenho dois acompanhantes que ficarão ao meu lado durante a minha estadia em Bangladesh: Zachary, o coordenador do meu programa e treinamento, e um intérprete (que eu não gravei o nome ainda).

Além dos meus tutores, encontrei com todo o staff do Grameen (exceto o Professor Yunus, que está na Alemanha e chega no meio da semana) e conheci um grupo de estudantes estrangeiros que estão passando "meses" aqui. Chegaram em agosto e vão embora em Dezembro. Tem gente da Itália, Costa Rica, Dinamarca, Índia e Japão. Eles têm entre 25 e 30 anos e imediatamente me acolheram no grupo dos "não locais". Almocei com o grupo em uma biboca na rua, chamada "The Treat". Pensei: "se a dinamarquesa está encarando esse pad thai, eu também posso". So far, so good.

O ritual que os estrangeiros fazem para comer aqui é engraçado. Todo mundo vai no banheiro lavar a mão, sai do banheiro sem encostar em nada e com as mãos pingando, seca as mãos com o tissue da mesa (toda mesa em Bangladesh tem uma caixa de lenço de papel, pois as pessoas estão resfriadas 90% do tempo, por conta do ar condicionado dos ambientes, ou com renite alérgica, por conta da poluição) e, para encerrar o ritual, saca um álcool gel da bolsa e finaliza a operação de esterelização. 

A dinamarquesa pelo jeito vai virar minha companhia por aqui. Ela se chama Katerine e está tão adaptada à vida bengali, que se veste como indiana "original". Segundo ela, o pessoal gosta de ver que ela está tentando "fit in", mesmo com a cabeleira loira e os olhos azuis.

Depois do almoço encontrei e conversei bastante com o Professo Latifee, o braço direito do Professor Yunus, quem eu conheci em maio passado, em uma conferência em São Paulo. Ele se lembrou de mim, ficou feliz que eu cumpri a promessa de vir (eu tinha falado a ele que viria a Bangla este ano ainda) e marcou uma reunião amanhã de tarde para discutir os projetos do Grameen na América do Sul e no Brasil. Também marcamos uma jantar com ele e com o Professor Yunus na próxima semana. Esse capítulo eu conto em separado, pode deixar.

O resto do dia foi para acabar de programar o meu calendário com o Zachary. Amanhã de manhã o Kamal me busca às 7 da manhã, pois sairemos, eu, Zachary e dois outros estrangeiros para visitar um branch do Grameen que fica no subúrbio (1 hora de viagem). Voltaremos amanhã na hora do almoço e na terça feira embarco para uma viagem de 7 dias pelo interior.
 
A sede do Grameen é meio que uma "Cidade de Deus" de Bangladesh. São 3 prédios em volta de um jardim, construídos em 1995 (antigos para os nossos padrões, mas infinitamente modernos se comparado com o resto da cidade), em que tudo acontece e todos trabalham por conta do Grameen. Todos os empreendimentos do Grameen são comandados por aqui: Grameen Bank, Grameen Trust, Grameen Phone, e outros. Vou contar sobre o projeto de cada um mais tarde ...

Dado bacana que eu aprendi sobre o Grameen Bank hoje: várias empresas multinacionais já são parceiras do Grameen Bank em projetos de social business:
  • Danone (produção de iogurte para reduzir desnutrição)
  • Credit Agricole (financiamento de projetos agrícolas)
  • Otto Group (a maior concorrente da Amazon, que vai construir uma fábrica de tecidos, cujos lucros serão reinvestidos somente em projetos que beneficiam Bangladesh)
  • Basf (produção de rede de mosquitos para reduzir malária)
  • Intel Corporation (tecnologia e informação para reduzir pobreza)
  • Veolia (produção de água nas áreas rurais, em que a contaminação por arsenico é grave)
  • Adidas (produção de sapatos a preços baratos, para que a população possa se proteger de doenças e áreas contaminadas) 
Definição de social business que o Professor Yunus usou em uma palestra na Índia em dezembro de 2009:

"A social business is a business where an investor aims to help others without taking any financial gain himself. At the same time, the social business generates enough income to cover its own costs. Any surplus is invested in expansion of the business or for increased benefits to society. The social business is a non-loss, non-dividend company dedicated entirely to achieving a social goal" ... "Social business gives everybody the opportunity to participate in creating the kind of world that we all want to see. Thanks to the concept of social business, citizens do not havve to leave all problems in the hands of the government and them spend their lives criticizing the government for failing to solve them".

Hoje não teve fotos. Achei que seria não profissional tirar fotos no primeiro dia de trabalho. :)  Amanhã eu compenso.    

Acho que eu nunca tinha passado mal com poluição antes de hoje. Sufoco. Vai ser bom passar a semana toda no interior.

sábado, 30 de outubro de 2010

Fatos e Curiosidades sobre Bangla

Alguns fatos e curiosidades de Bangla:

  • Bangladesh tem mais de 145 milhões de habitantes
  • "Bangla" é o idioma oficial
  • Mais de 90% da população é muçulmana, mas hinduismo e budismo são aceitos pacificamente
  • 220 volts
  • Afeto público não é bem visto
  • Mão esquerda para comer, pagar e cumprimentar, nem pensar
  • Os bengalis vivem um parlamentarismo, sendo que a casa do Primeiro Ministro é na esquina da rua do meu hotel
  • Rickshaws são o meio de transporte mais popular por aqui


  • As pessoas não fumam ou bebem em público
  • A camareira responsável pela limpeza do meu quarto é uma senhora hindu interessadíssima no Brasil e vem ver se eu estou bem e confortável de hora em hora


Amanhã é meu primeiro dia no Grameen Bank. O dia vai ser cheio. Volto com novidades no final do dia.

Md. Wazed Ali

Hoje o dia começou cedo. Ainda estou um pouco fora do fuso e às 6 da manhã eu já estava de pé. Depois de dar uma olhada no jornal local em inglês, descobrir que temos algumas greves em andamento no país, há uma ameaça de bomba nos US (todos vocês devem estar sabendo disso), checar na internet que o Serra e a Dilma estão tecnicamente empatados, tomar café da manhã e conversar com umas 10 pessoas que trabalham no hotel (todo mundo é curioso para saber de onde eu sou e o que estou fazendo aqui), peço ajuda na recepção para uma primeira volta na cidade.

Após o concierge tentar me convencer que seria seguro sair desacompanhada, e eu não conseguir esconder um olhar meio assustado diante da sugestão, ele e o fulano da recepção chegam à conclusão que é realmente melhor que alguém vá comigo, pelo menos nesse primeiro dia. Resolvido o obstáculo de "contratar" alguém para me acompanhar pela manhã (30 dólares por 4 horas de citytour - achei caro - mas ainda sou muito turista para entender/evitar a dinâmica de malandragem bengali), começamos a conversar sobre os lugares que eu deveria visitar.

Surpresa 1 do dia: o concierge não sabia exatamente onde eu deveria ir .... eu sei, soou estranho para mim também. Ainda não entendi qual a função de um concierge aqui em Dhaka. Olhamos juntos no mapa, perguntei a ele sobre o centro histórico, as mesquitas, os templos hindus, a universidade de Dhaka ... e ele foi me apontando no mapa.

"Marina, todos esses lugares são bem perto. 4 ou 5 km. Pode ir à pé".

Não tive coragem de fazer esses primeiros km andando hoje. Optei pelo guia e por um carro. O preço era o mesmo. :)

Estou vestida adequadamente?, pergunto a eles antes de sair. "hum.... sim". Sentindo alguma hesitação na resposta dos dois, pergunto de novo: "certeza?" "posso me trocar se estiver inadequado para sair na rua". "Não, não, você está adequada. Pode ir sem preocupação".

Não senti muita firmeza na resposta e nos olhares deles, mas honestamente eu não tinha uma alternativa de roupa no quarto muito melhor que a escolha que eu estava vestindo: calça cargo, camiseta azul marinho, lenço no pescoço e na cabeça, tênis, óculos escuros e mochila.

Antes de sairmos, o concierge disse ao motorista: "Cuida bem dela, senão eu perco o meu emprego". Fiquei pensando qual seria a consequência para mim, se o concierge perdesse o emprego. Não pareceu um risco equilibrado.

O meu guia chama Jahid, um menino de 20 e poucos anos. Hindu. Tímido que só. Não teve coragem de olhar nos meus olhos em nenhum momento e  não fala nada de inglês além de: "let's go". Difícil comunicação. Ele não quer prosa. Nas 4 horas em que ficou ao meu lado, fez basicamente 3 coisas: buzinou intensamente, falou ao telefone (uma das vezes com o concierge do hotel, que ligou para ele para saber se eu estava bem, e pediu para ouvir a minha voz para ter certeza que era verdade!) e buzinou um pouco mais.

Aqui em Dhaka as pessoas buzinam como quem troca de marcha. É como uma sinfonia mal ensaiada. Ou melhor, uma competição de quem buzina mais por metro quadrado: como o trânsito é caótico e não se consegue andar em velocidade superior a 15 kilometros por hora, fica fácil de imaginar o som ambiente da cidade. As buzinas em Dhaka são mais presentes na paisagem da cidade do que aquele barulho de britadeira e sirene em NY.

A primeira visita foi ao Shahid Minar. Um monumento erguido para homenagear os mártires de 1952 que luraram pelo "Language Movement of 1952". Estudantes e manifestantes protestaram e foram mortos em 1952 para conseguir que a lingua "Bangla" também fosse considerada oficial no país. Na época, Bangladesh fazia parte do Paquistão. http://en.wikipedia.org/wiki/Shaheed_Minar


Acho que eu só cheguei em Dhaka de verdade quando desci do carro. O ar aqui é pesado. O cheiro é indescritível e não é bom. As ruas são sujas e o nosso sistema de coleta de lixo merece ganhar um prêmio depois de se constatar a quantidade de papel e lixo nas ruas daqui. A foto ainda é melhor que a realidade de perto.

Saímos de lá em direção ao Ahsan Manzil Museum ... percorremos uns 2 kilometros em uns 30 minutos de carro:







O Ahsan Manzil Muzeum é um antigo palácio na beira do rio Buriganga. Foi a casa de muitos líderes do país e hoje em dia é aberto para visitação. Analogia: é o Versailles dos bengales. Pelo menos eles consideram assim. O lugar é meio triste, com ar de abandonado, antigo e muito simples. Vizualizar a grandiosidade que esse lugar representou no passado exige um super exercício de concentração e imaginação. As pessoas que trabalham lá têm um orgulho tremendo do museu e contam a história de seus antecessores com brilho nos olhos. Aliás, esse é um sentimento facilmente detectável por aqui: todos têm orgulho de sua história e do seu lugar no mundo. Fui muito bem tratada pelo Sr. Ali Wazed, o "Ministry of Cultural Affairs" do "Pink Palace".

Logo que ele notou a minha presença no museu, fez questão de conversar e saber o que me trazia à Dhaka. Depois que o brasileiro conta em Dhaka que é brasileiro, o tratamento que era excelente, vira VIP, mesmo sendo mulher num país preponderantemente muçulmano. Todo mundo ama o Brasil nesse canto do mundo! (metade do país é torcedor do Brasil e ainda há bandeiras pintadas em alguns prédios, da época da copa).






Prometi ao Sr. Ali que voltaria no sábado que vem, quando ele me contaria todas as histórias de Dhaka e faríamos um tour a pé pelo centro histórico. Ganhei um business card. Ficamos de nos falar durante a próxima semana.


Saí do museu rumo à universidade de Dhaka. No caminho passamos pela mesquita "Khan Mohamad Mridha", construída em 1706. Não entrei. Vou deixar para visitar as mesquitas e os templos hindus com o Sr. Ali.




O campus da universidade é simples e tranquilo. Um monte de gente nas escadas e nos corredores, lendo e conversando. Nada muito diferente dos corredores da PUC ou da FGC (além das roupas das mulheres e a falta de música e de substâncias ilegais: aparentemente ninguém bebe ou fuma por aqui). A universidade de Dhaka tem um sentido especial para mim, pois o livro do Yunus que conta sobre a criação do microcrédito fala um pouco da época em que ele era professor de economia aqui e percebeu que precisava sair da sala de aula para inventar uma economia que funcionasse na prática para seu povo.






Voltamos para o hotel depois de várias horas no trânsito.

A rotina para entrar no hotel é meio assustadora: dois soldados revistam o carro no portão e procuram por bombas, com um cachorro pastor alemão pouco simpático; o motorista pede autorização para entrar, os soldados dão uma espiada na janela, não me cumprimentam e dão sinal para o Jahid seguir em frente.

Na recepção do hotel todos querem saber como foi o meu primeiro passeio. Troco uma nota de 50 dólares e pago Jahid. Ele me dá um cartão com o seu número de telefone, para eu contratá-lo para dirigir nas próximas semanas (nessa hora eu desconfio que realmente paguei muito caro por essa carona).

Vou para o quarto descansar. Está chegando a hora do almoço. Ainda estou fora do fuso. Não sei se é a temperatura ou a confusão, mas 4 horas aqui em Dhaka estressam como se eu tivesse ficado acordada por 4 dias.


sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Dia 1 em Dhaka

Meu novo jornal aqui em Bangladesh: The Daily Star!

O dia lá fora parece quente. Céu azul, com cara de poluição. Meta do dia hoje: passear um pouco pelo centro velho de Dhaka, conhecer algumas mesquitas (há mais de 1000 mesquitas em Dhaka, também comhecida como a "Cidade das Mesquitas"), e descobrir onde é a Embaixada Brasileira para votar no Serra amanhã!

Além de votar para presidente, amanhã começa o programa de trabalho no Grameen Bank (aqui em Bangladesh os finais de semana são na sexta e no sábado. Ou seja, nossa segundona aqui é domingo).

A primeira foto que eu tiro de Dhaka é da janela do meu quarto:


As demais virão ao final do dia. 

Mastercard

Tomar banho sem ter que se preocupar se qualquer gotícula de água vai entrar na sua boca ou nos seus olhos, sob risco de contrarir doenças tropicais inimagináveis, NÃO TEM PREÇO. Para todo o resto, existe Mastercard, até aqui em Dhaka!

Hotel

Depois de conseguir fazer o registro no hotel e chegar no quarto 1006, não pensei muito. Tentei fazer 2 ligações, não fui bem sucedida, deitei na cama e capotei. Acordei 8 horas depois.


Já é de noite em Dhaka. Dei uma volta rápida pelo hotel, mas não consegui ver nada. Pedi uma bela pasta no quarto (não comia fazia muito tempo), tomei uma Sprite sem gelo (já sinto falta de água), arranjei um adaptador para os meus devices eletrônicos (lap top e máquina), comprei um pacote caríssimo de internet (150 dólares por 2 semanas!), inspecionei o quarto (simples, mas confortável, um tanto quanto parecido com o hotel em que eu me hospedei em Louisville, KY, US, em 2001), e liguei a TV (meu canal preferido: Boishakhi TV).

Não tem Cable TV aqui! Era de se esperar. Tem uns 10 canais locais, entre eles filmes, novelas, programa de auditório e telejornais. Alguns deles são em inglês.Todos com participação exagerada de mulheres! Não vejo homens nos programas de TV e as novelas são versões mais brutas de "Caminho das Índias". Ainda quero entender como as mulheres de Bangladesh são tão fortes e presentes, considerando a cultura e a religião local.

Todos os funcionários do hotel são muito educados, pacientes, e não aceitam gorjeta de jeito nenhum.

Primeira Impressão

O vôo Dubai - Dhaka não foi tão calmo quanto o anterior. Balançamos ... Sentou-se do meu lado um engenheiro da Costa Rica, que trabalha em uma multinacional italiana que está construindo uma usina de energia no interior de Bangladesh (depois de 3 tentativas de entender a cidade em que ele estava trabalhando, desisti). Ele mora aqui há 2 anos e ficará até o final do ano. A mulher dele ficou na Costa Rica: "vou passar essa grande oportunidade", ela teria dito a ele. Meu vizinho de avião contou que os blackouts de energia em Bangladesh ocorrem muito frequentemente, e pelo o que eu entendi, deixam o nosso "apagão" no chinelo: a cada 3 ou 4 horas existe um blackout de energia nas épocas das chuvas.

A chegada no aeroporto foi tranquila. Menos gente do lado de fora do que eu esperava. O pátio do aeroporto tinha apenas mais 5 aviões além do nosso. Só. E todos eles parecem bem antigos, por assim dizer. Se eu estivesse sem óculos e me contassem que eu estava chegando no aeroporto de Porto Seguro ou na rodoviária de Recife, juro que eu acreditava!

O oficial da imigração que me recebeu, o Sr. Maru (sim, esse é o nome dele), foi a única pessoa pouco gentil que encontrei aqui até agora. Demorou uns 30 minutos para entender o meu nome no passaporte, fazer 3 perguntas (de onde eu vinha, para onde eu ia, onde eu ia ficar) e me liberar. Confesso que por 30 segundos imaginei que poderia ser barrada ... mas logo o Sr. Maru "achou" o carimbo do meu visto concedido pela embaixada de Bangla de D.C. e tudo ficou bem. Ah! Detalhe curioso: no meu cartão da imigração um dado imprescindível que eu precisei preencher: NOME DO MARIDO, responsável pela viajante, se ela for MULHER (mesmo se o marido não estiver com a mulher). Fí, você está registrado nos livros da imigração Bengali!

As malas chegaram bem e logo na saída do desembarque vi um senhor com uma plaquinha com o meu nome. Talvez tenha sido a exaustão, mas não lembro direito o que aconteu entre o momento em que cumprimentei meus anfitriões do hotel e a hora em que eu estava dentro de uma Mercedez branca, no meio do trânsito mais caótico que eu já tinha experimentado em toda a vida. Por 1 minuto eu pensei se deveria mesmo ter entrado no carro com aquele estranho e o que aconteceria comigo se ele não fosse quem ele disse pra mim que era. Mas o calor e a confusão do lado de fora me distraíram até chegar no lobby do hotel.

O trajeto do aeroporto para o hotel é bem curto, mas demoramos mais de 30 minutos para chegar. Não consegui tirar fotos (fiquei sem graça de fazer isso na frente do motorista, com receido de que ele achasse que eu penso no país dele como um circo para turistas), mas amanhã começarei a produção de imagens.

Imagens registradas na minha memória até agora:
  • carros muito velhos, batidos, coloridos, descontroladamente soltos e buzinentos pelas avenidas
  • não há semáforos!
  • pessoas, animais e carros ocupam (ou ainda estão tentando provar que é possível ocupar) o mesmo espaço nas avenidas e ruas de Bangladesh
  • não há divisão clara nas ruas entre a mão de ida e a mão de volta: se um carro está indo em uma direção e resolve voltar, ele basicamente faz um U Return (em qualquer ponto de sua jornada, sem esperar um retorno) e literalmente entra na pista que está voltando
  • tem bastante polícia na rua (fardados, o que me assusta um pouco)
  • todos na rua comportam-se como se fossem personagens do River Raid do bom e velho Atari
  • a recepção inteira do hotel me esperava na porta, todos sabiam o meu nome e foram gentilíssimos
  • meu cartão Visa foi declined na primeira tentativa do hotel e por 30 segundos eles acharam que eu não tinha condição de pagar a conta deles
  • é mais assustador viajar desacompanhada para um país muçulmano do que eu imaginava

Dubai - Gate 214, parte 2

O silêncio acabou. Por alguns minutos me distrai e quando olhei ao meu redor o cenário original tinha mudado radicalmente.

As mulheres apareceram com crianças, trazendo confusão, barulho, cor, vida. Algumas mulheres (supostamente de religião hindu) usam cores cítricas sem qualquer constrangimento. Muitas crianças no saguão, pequenas, de colo, chorando, rindo, gritando, engatinhando, pulando, caindo, fazendo o que criança faz quando está acordada às 2 da manhã antes de embarcar em um avião. Todo mundo com a mão na boca e no chão – fato que me faz sentir ridícula por ter ficado tão preocupada com as condições de higiene do país. O barulho no saguão é ainda pior pelo jogo de futebol que a televisão transmite e todos os homens parecem acompanhar, com pouco ou nenhum entusiasmo. Faz 35 graus aqui, e o ar condicionado acabou de ser ligado.

Fomos encaminhados para um novo portão de embarque e parece que as pessoas se multiplicaram de forma exponencial. Agora sim parece que estou embarcando para Bangladesh. Tá tudo meio caótico e desorganizado. Bem pior que o Santos Dumont na sexta feira às 18:15, com os paulistas engravatados querendo pegar a próxima ponte aérea para São Paulo.

Vejo claramente 3 grupos de pessoas: mulçumanos, com mulheres arrumadas e cobertas, hindus, com mulheres coloridas e falantes e com muitos filhos a tiracolo, alguns poucos estrangeiros, inclusive eu. Encontrei um trio de mulheres (acho que inglesas), dois brasileiros (?!) e um casal alemão que estão no meu vôo. Outros esquisitos como eu!

A fila do embarque parece interminável e não sei como todos vão conseguir entrar no avião. Se você está viajando para um dos países com maior índice de gente por metro quadrado do mundo, não poderia esperar algo diferente.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Dubai - Gate 214

São 24:00hs em Dubai. Meu vôo de São Paulo foi perfeito e chegou há 2 horas. Em uma hora embarco para Dhaka.

O aeroporto de Dubai é realmente incrível, como todo mundo diz, mas mais ocidental e menos caótico do que eu imaginava. Nitidamente as mulheres desacompanhadas aqui são minoria. Ao contrário do que se pensa, aquelas cobertas dos pés à cabeça também são minoria. Todos reagem naturalmente à diversidade. A sensação de ser transparente aqui é basicamente a mesma que se sente na Oxford Street, no Central Park, ou na avenida Paulista ... com a diferença de que aqui as pessoas são incrivelmente (ou exageradamente) gentis e solícitas.

Depois de tomar banho no lounge da Emirates (melhor impossível), tomar um café com leite no Starbucks (primeiros dólares gastos na viagem) e visitar todas as lojas bacanas do aeroporto (sem comprar nada), vou para o meu portão de embarque.

O Gate 214, embarque do vôo EK 582, me traz uma percepção diferente do resto do aeroporto até agora. Só vejo homens esperando para embarcar. Não vejo brancos. Não vejo mulheres. Todo mundo nota a minha chegada, mas não perde mais do que 3 segundos prestando atenção em mim. Ainda bem. Tudo super quieto. Ainda menos caótico do que o resto do aeroporto. Vou esperar no silêncio junto com eles.

Mando notícias de Dhaka.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Ansiedade

A intenção era escrever apenas de Dubai, mas
depois do check in de hoje, não resisti....

Surpresa da noite: cheguei um dia antes; meu
embarque, na verdade, era apenas na quinta feira!

Depois de resolvida a confusão e a minha
inclusão no vôo antecipado, espero
a minha vez para o embarque.

Trip to GRU

Depois de 2 dias de finalização dos preparativos, tudo pronto para fechar as malas e pegar o taxi para o aeroporto. 

Preparar uma viagem de várias semanas, para o outro lado do mundo, em que se pretende não levar o blackberry, dá mais trabalho do que eu imaginava. Ainda bem que existe a Andrea!

Checklist final:

  • Passaporte com carimbo do visto de Bangladesh (concedido pela embaixada de D.C., pois acreditem, não há embaixada de Bangladesh no Brasil e na América do Sul toda)
  • Alguns dólares
  • Baterias da máquina fotográfica recarregadas
  • Mensagem de ausência no email do escritório ligada
  • Jantar e almoço de despedida da família devidamente realizados :)
  • Reunião de última hora com cliente estrangeiro que está no Brasil por poucos dias
  • Manhã no salão de beleza para desfrutar uma última vez de cuidados básicos e mimos, para os quais damos pouco valor em São Paulo, mas que não existem em Bangladesh
  • Mensagem do Grameen Bank me dando as boas vindas e esperando o meu telefonema assim que eu chegar em Dhaka
  • Telefonemas de última hora e contagem regressiva para a decolagem
Agora só escrevo de Dubai, contando como foi a primeira perna da minha viagem.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Last day at the office

Hoje o dia começou cedo!

Reuniões, calls, recados, despedidas, organização do time de trabalho, conversas com os clientes, pedidos de desculpas para quem vai "herdar" meu trabalho nas próximas semanas, contas em débito automático, combinação de quem vai cuidar do gato Ludovico ... e um obrigada a todos que me apoiam sempre.

sábado, 23 de outubro de 2010

O básico sobre negócio social, microcrédito e Grameen Bank

Negócio Social


De uma forma muito simplificada, negócio social pode ser definido como um modelo de negócio empresarial economicamente rentável, cuja atividade principal gera impacto social e ambiental positivo (como meta, e não como conseqüência). Ou seja, a empresa tem como meta ser econômica e financeiramente sustentável, mas seu objetivo principal é contribuir para a extinção da pobreza e de outros problemas que ameaçam a sociedade, tais como: falta de acesso à alimentação, água, educação, saúde, tecnologia, direitos humanos, etc.

As empresas que atuam como negócio social não têm como objetivo final vender produtos e serviços para maximizar o lucro e a distribuição de dividendos a seus sócios, mas sim uma política de gestão de reinvestir resultados na expansão das atividades fins.

Ainda, o negócio social não é baseado na doação de recursos (no negócio social o investidor busca no longo prazo retorno do investimento principal, com pouco ou nenhum rendimento) e não deve ser confundido com o segundo setor (empresas privadas com fins lucrativos que são responsáveis e sustentáveis) ou com o terceiro setor (organizações sem fins lucrativos, as ONGs).

Dois dos melhores exemplos de sucesso de negócio social no mundo hoje são o Grameen Bank e a joint venture formada pelo Grupo Danone e pelo Grameen Bank, também em Bangladesh, a Grameen Danone Foods.

A Grameen Danone Foods é um negócio rentável de produção de iogurte enriquecido com proteínas, vitaminas e outros micro nutrientes, cuja finalidade é combater ou reduzir a desnutrição das crianças da zona rural de Bangladesh. O processo de produção envolve utilização de energia solar e biogás e o iogurte é servido em embalagens biodegradáveis. A primeira fábrica entrou em produção em 2006 (o plano é que existam mais 50 unidades de produção em 10 anos) e o empreendimento é gerido na base do no loss, no dividend (ou seja, geração de lucro, mas sem distribuição de dividendos).

Microcrédito e o Grameen Bank

A expressão microcrédito foi criada pelo Professor Yunus quando da criação do Grameen Bank em Bangladesh, no final da década de setenta (o primeiro banco de microcrédito do mundo).

Para o Professor Yunus, microcrédito é o financiamento dirigido “às populações pobres ou muito pobres, caracterizadas pela absoluta falta de acesso a crédito”, para auxiliar na geração de renda do cliente (e não para consumo). Assim, Yunus acredita que o microcrédito é uma política de combate à pobreza, e não uma simples política de financiamento.

Yunus começou a emprestar empréstimos de pequenos valores a pobres produtores rurais em Bangladesh, em 1976, que não tinham qualquer acesso a crédito formal perante os bancos tradicionais. O sucesso da operação em termos de recebimento dos empréstimos concedidos - o Grameen Bank recebe de volta mais de 98% dos empréstimos que concede, e da melhora da condição de vida dos beneficiados, levou à expansão das operações.

Desde sua fundação, o Grameen Bank mantém-se em atividade como uma empresa privada lucrativa, tendo obtido lucros em todos os anos de sua operação, exceto no ano de sua fundação e em 1991 e 1992. Vou mandar as estatísticas atualizadas do projeto quando eu estiver em Dhaka.

Links com muitas informações sobre o Yunus, negócio social e microcrédito:





Preparação

Arrumando as malas!

Meus companheiros de viagem:
  • Roupas soltas e frescas, pois mesmo o inverno de Bangladesh é mais quente do que se imagina: entre 25 e 30 graus ...
  • Remédios variados, para sintomas diversos, os quais eu realmente espero não experimentar
  • Carteira de vacinação com mais de 8 carimbos recentes
  • Livros
  • Lap Top
  • Máquina Fotográfica
  • Iphone
  • Repelente de insetos
  • Ansiedade
  • Alegria
  • Cartão de Crédito
  • Havaianas e tênis
  • Mega gripe, há mais de 5 dias

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O capítulo que tenta explicar o começo de tudo


Essa é uma tentativa amadora de contar a história da advogada de mercado de capitais, que dedicou mais de 10 anos para o trabalho corporativo em São Paulo e, então, resolveu passar um tempo em Bangladesh. É uma tentativa, pois não sei ao certo se terei criatividade, fôlego e coragem de fazer o que estou me propondo. É amadora, porque sou uma excelente redatora de contratos, prospectos e outros documentos desinteressantes, mas tenho dúvidas de que serei capaz de escrever uma narrativa livre minimamente interessante. Na volta vocês me contam.

Em algum momento da minha vida eu imaginei que o que eu vivo e conquistei profissionalmente hoje me seria suficiente. Não sei direito porque eu acreditei nisso. Hoje eu quero melhorar, ajustar, complementar. E não, não pretendo parar de trabalhar como advogada, nem de atuar na área de mercado de capitais. Não pretendo abandonar tudo e mudar para uma comunidade distante. Quero usar o trabalho e a experiência para também tentar causar impacto, direto, para quem muito precisa. Ainda não sei como. Ainda não sei quando. Mas a busca precisava começar de algum lugar. Por motivos que contarei mais para frente, resolvi que Bangladesh era um bom lugar para começar.

Semana que vem parto para uma aventura de algumas semanas. Meu destino inicial: Dubai. De lá, pego uma conexão para a capital de Bangladesh, Dhaka. Depois de viver o horror de duas longas viagens de avião (sim, não sou original nesse aspecto, e tenho pavor de viajar usando o meio de transporte mais seguro do mundo), chego no meu quartel general no país estrangeiro. Vou sozinha. Deixo em São Paulo marido incrível, leal e companheiro. Estou ansiosa para ir e viver, só, em uma parte do mundo que se define, na minha visão ocidental, caótica e serena, distante do meu pequeno mundo, ainda tão imaturo e ansioso.

O objetivo principal é acompanhar de perto o programa de microcrédito do Grameen Bank, criado pelo vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2006, Professor Muhammad Yunus. Aprender tudo o que se puder aprender sobre microcrédito e social business e de alguma forma trazer essa experiência para o benefício do Brasil. É isso? Mas preciso mesmo ir até lá para aprender sobre microcrédito? Bom, esse é o objetivo oficial. Espero me deparar com vários efeitos colaterais por lá, transformadores e enriquecedores em todos os sentidos. Quero ver, sentir, cheirar, fotografar, rir, chorar e me surpreender por lá. Depois de alguns anos, a vida corporativa te expõe ao risco de ficar anestesiada. A sensação que eu tenho de vez em quando é que eu perdi a capacidade de me emocionar. Vou em busca disso também.

Tentarei escrever todos os dias, relatando o que eu estiver vivendo e aprendendo no golfo de Bengal.

Bem vindo(a)!