sábado, 30 de outubro de 2010

Md. Wazed Ali

Hoje o dia começou cedo. Ainda estou um pouco fora do fuso e às 6 da manhã eu já estava de pé. Depois de dar uma olhada no jornal local em inglês, descobrir que temos algumas greves em andamento no país, há uma ameaça de bomba nos US (todos vocês devem estar sabendo disso), checar na internet que o Serra e a Dilma estão tecnicamente empatados, tomar café da manhã e conversar com umas 10 pessoas que trabalham no hotel (todo mundo é curioso para saber de onde eu sou e o que estou fazendo aqui), peço ajuda na recepção para uma primeira volta na cidade.

Após o concierge tentar me convencer que seria seguro sair desacompanhada, e eu não conseguir esconder um olhar meio assustado diante da sugestão, ele e o fulano da recepção chegam à conclusão que é realmente melhor que alguém vá comigo, pelo menos nesse primeiro dia. Resolvido o obstáculo de "contratar" alguém para me acompanhar pela manhã (30 dólares por 4 horas de citytour - achei caro - mas ainda sou muito turista para entender/evitar a dinâmica de malandragem bengali), começamos a conversar sobre os lugares que eu deveria visitar.

Surpresa 1 do dia: o concierge não sabia exatamente onde eu deveria ir .... eu sei, soou estranho para mim também. Ainda não entendi qual a função de um concierge aqui em Dhaka. Olhamos juntos no mapa, perguntei a ele sobre o centro histórico, as mesquitas, os templos hindus, a universidade de Dhaka ... e ele foi me apontando no mapa.

"Marina, todos esses lugares são bem perto. 4 ou 5 km. Pode ir à pé".

Não tive coragem de fazer esses primeiros km andando hoje. Optei pelo guia e por um carro. O preço era o mesmo. :)

Estou vestida adequadamente?, pergunto a eles antes de sair. "hum.... sim". Sentindo alguma hesitação na resposta dos dois, pergunto de novo: "certeza?" "posso me trocar se estiver inadequado para sair na rua". "Não, não, você está adequada. Pode ir sem preocupação".

Não senti muita firmeza na resposta e nos olhares deles, mas honestamente eu não tinha uma alternativa de roupa no quarto muito melhor que a escolha que eu estava vestindo: calça cargo, camiseta azul marinho, lenço no pescoço e na cabeça, tênis, óculos escuros e mochila.

Antes de sairmos, o concierge disse ao motorista: "Cuida bem dela, senão eu perco o meu emprego". Fiquei pensando qual seria a consequência para mim, se o concierge perdesse o emprego. Não pareceu um risco equilibrado.

O meu guia chama Jahid, um menino de 20 e poucos anos. Hindu. Tímido que só. Não teve coragem de olhar nos meus olhos em nenhum momento e  não fala nada de inglês além de: "let's go". Difícil comunicação. Ele não quer prosa. Nas 4 horas em que ficou ao meu lado, fez basicamente 3 coisas: buzinou intensamente, falou ao telefone (uma das vezes com o concierge do hotel, que ligou para ele para saber se eu estava bem, e pediu para ouvir a minha voz para ter certeza que era verdade!) e buzinou um pouco mais.

Aqui em Dhaka as pessoas buzinam como quem troca de marcha. É como uma sinfonia mal ensaiada. Ou melhor, uma competição de quem buzina mais por metro quadrado: como o trânsito é caótico e não se consegue andar em velocidade superior a 15 kilometros por hora, fica fácil de imaginar o som ambiente da cidade. As buzinas em Dhaka são mais presentes na paisagem da cidade do que aquele barulho de britadeira e sirene em NY.

A primeira visita foi ao Shahid Minar. Um monumento erguido para homenagear os mártires de 1952 que luraram pelo "Language Movement of 1952". Estudantes e manifestantes protestaram e foram mortos em 1952 para conseguir que a lingua "Bangla" também fosse considerada oficial no país. Na época, Bangladesh fazia parte do Paquistão. http://en.wikipedia.org/wiki/Shaheed_Minar


Acho que eu só cheguei em Dhaka de verdade quando desci do carro. O ar aqui é pesado. O cheiro é indescritível e não é bom. As ruas são sujas e o nosso sistema de coleta de lixo merece ganhar um prêmio depois de se constatar a quantidade de papel e lixo nas ruas daqui. A foto ainda é melhor que a realidade de perto.

Saímos de lá em direção ao Ahsan Manzil Museum ... percorremos uns 2 kilometros em uns 30 minutos de carro:







O Ahsan Manzil Muzeum é um antigo palácio na beira do rio Buriganga. Foi a casa de muitos líderes do país e hoje em dia é aberto para visitação. Analogia: é o Versailles dos bengales. Pelo menos eles consideram assim. O lugar é meio triste, com ar de abandonado, antigo e muito simples. Vizualizar a grandiosidade que esse lugar representou no passado exige um super exercício de concentração e imaginação. As pessoas que trabalham lá têm um orgulho tremendo do museu e contam a história de seus antecessores com brilho nos olhos. Aliás, esse é um sentimento facilmente detectável por aqui: todos têm orgulho de sua história e do seu lugar no mundo. Fui muito bem tratada pelo Sr. Ali Wazed, o "Ministry of Cultural Affairs" do "Pink Palace".

Logo que ele notou a minha presença no museu, fez questão de conversar e saber o que me trazia à Dhaka. Depois que o brasileiro conta em Dhaka que é brasileiro, o tratamento que era excelente, vira VIP, mesmo sendo mulher num país preponderantemente muçulmano. Todo mundo ama o Brasil nesse canto do mundo! (metade do país é torcedor do Brasil e ainda há bandeiras pintadas em alguns prédios, da época da copa).






Prometi ao Sr. Ali que voltaria no sábado que vem, quando ele me contaria todas as histórias de Dhaka e faríamos um tour a pé pelo centro histórico. Ganhei um business card. Ficamos de nos falar durante a próxima semana.


Saí do museu rumo à universidade de Dhaka. No caminho passamos pela mesquita "Khan Mohamad Mridha", construída em 1706. Não entrei. Vou deixar para visitar as mesquitas e os templos hindus com o Sr. Ali.




O campus da universidade é simples e tranquilo. Um monte de gente nas escadas e nos corredores, lendo e conversando. Nada muito diferente dos corredores da PUC ou da FGC (além das roupas das mulheres e a falta de música e de substâncias ilegais: aparentemente ninguém bebe ou fuma por aqui). A universidade de Dhaka tem um sentido especial para mim, pois o livro do Yunus que conta sobre a criação do microcrédito fala um pouco da época em que ele era professor de economia aqui e percebeu que precisava sair da sala de aula para inventar uma economia que funcionasse na prática para seu povo.






Voltamos para o hotel depois de várias horas no trânsito.

A rotina para entrar no hotel é meio assustadora: dois soldados revistam o carro no portão e procuram por bombas, com um cachorro pastor alemão pouco simpático; o motorista pede autorização para entrar, os soldados dão uma espiada na janela, não me cumprimentam e dão sinal para o Jahid seguir em frente.

Na recepção do hotel todos querem saber como foi o meu primeiro passeio. Troco uma nota de 50 dólares e pago Jahid. Ele me dá um cartão com o seu número de telefone, para eu contratá-lo para dirigir nas próximas semanas (nessa hora eu desconfio que realmente paguei muito caro por essa carona).

Vou para o quarto descansar. Está chegando a hora do almoço. Ainda estou fora do fuso. Não sei se é a temperatura ou a confusão, mas 4 horas aqui em Dhaka estressam como se eu tivesse ficado acordada por 4 dias.


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