domingo, 31 de outubro de 2010

Pó, Ruído e Ambientação

São 6 da tarde e eu acabei de chegar no hotel. Antes de começar a relatar o primeiro dia no Grameen Bank, preciso registrar um "viva" merecido para as cadeias de hotéis internacionais, sem design, ultrapassadas, com carpete avermelhado e  parede amarelinha, absolutamente sem charme, mas com ar condicionado, banheiro limpinho, room service impecável, e água engarrafada para escovar os dentes. Alívio completo ao chegar no hotel, depois de uma hora e meia no trânsito caótico e poluído da querida Dhaka. Felicidade ainda maior quando encontro uma lojinha de conveniência aberta, que vende um pouco de tudo, inclusive KitKat, chiclete, batata pringles e coca-cola light (as pessoas em Dhaka não se preocupam com peso e não se encontra facilmente um refrigerante light por aqui).

Hoje o dia começou cedo. Acordei às 5:45. Jet lag continua.

Depois de repassar a programação do dia e conseguir um taxi, cheguei às 10 da manhã na sede do Grameen Bank, em Mirpur - uma região da cidade que, dizem, é uma das mais pobres. Não é diferente de nenhuma das nossas favelas, com a diferença de que aqui não é considerado favela. Bom, aqui também assume-se que não existe violência urbana e bala perdida. Essa diferença é importante. De qualquer forma, existem bombas e outros atentados terroristas. Estamos quites.

A ida e volta de taxi para o Grameen, que demora entre 45  e 90 minutos do hotel (depende do trânsito), custa entre 500 e 700 takas (cada dólar corresponde a 70 takas). O taxista de hoje também não falava inglês, mas era infinitamente mais simpático e menos tímido que o Fahid. A partir de hoje, portanto, o Kamal é o meu novo motorista na cidade. Combinamos (por meio de mímica, "yes" e "no") que as minhas idas e vindas do Grameen serão conduzidas por ele. 

Tenho dois acompanhantes que ficarão ao meu lado durante a minha estadia em Bangladesh: Zachary, o coordenador do meu programa e treinamento, e um intérprete (que eu não gravei o nome ainda).

Além dos meus tutores, encontrei com todo o staff do Grameen (exceto o Professor Yunus, que está na Alemanha e chega no meio da semana) e conheci um grupo de estudantes estrangeiros que estão passando "meses" aqui. Chegaram em agosto e vão embora em Dezembro. Tem gente da Itália, Costa Rica, Dinamarca, Índia e Japão. Eles têm entre 25 e 30 anos e imediatamente me acolheram no grupo dos "não locais". Almocei com o grupo em uma biboca na rua, chamada "The Treat". Pensei: "se a dinamarquesa está encarando esse pad thai, eu também posso". So far, so good.

O ritual que os estrangeiros fazem para comer aqui é engraçado. Todo mundo vai no banheiro lavar a mão, sai do banheiro sem encostar em nada e com as mãos pingando, seca as mãos com o tissue da mesa (toda mesa em Bangladesh tem uma caixa de lenço de papel, pois as pessoas estão resfriadas 90% do tempo, por conta do ar condicionado dos ambientes, ou com renite alérgica, por conta da poluição) e, para encerrar o ritual, saca um álcool gel da bolsa e finaliza a operação de esterelização. 

A dinamarquesa pelo jeito vai virar minha companhia por aqui. Ela se chama Katerine e está tão adaptada à vida bengali, que se veste como indiana "original". Segundo ela, o pessoal gosta de ver que ela está tentando "fit in", mesmo com a cabeleira loira e os olhos azuis.

Depois do almoço encontrei e conversei bastante com o Professo Latifee, o braço direito do Professor Yunus, quem eu conheci em maio passado, em uma conferência em São Paulo. Ele se lembrou de mim, ficou feliz que eu cumpri a promessa de vir (eu tinha falado a ele que viria a Bangla este ano ainda) e marcou uma reunião amanhã de tarde para discutir os projetos do Grameen na América do Sul e no Brasil. Também marcamos uma jantar com ele e com o Professor Yunus na próxima semana. Esse capítulo eu conto em separado, pode deixar.

O resto do dia foi para acabar de programar o meu calendário com o Zachary. Amanhã de manhã o Kamal me busca às 7 da manhã, pois sairemos, eu, Zachary e dois outros estrangeiros para visitar um branch do Grameen que fica no subúrbio (1 hora de viagem). Voltaremos amanhã na hora do almoço e na terça feira embarco para uma viagem de 7 dias pelo interior.
 
A sede do Grameen é meio que uma "Cidade de Deus" de Bangladesh. São 3 prédios em volta de um jardim, construídos em 1995 (antigos para os nossos padrões, mas infinitamente modernos se comparado com o resto da cidade), em que tudo acontece e todos trabalham por conta do Grameen. Todos os empreendimentos do Grameen são comandados por aqui: Grameen Bank, Grameen Trust, Grameen Phone, e outros. Vou contar sobre o projeto de cada um mais tarde ...

Dado bacana que eu aprendi sobre o Grameen Bank hoje: várias empresas multinacionais já são parceiras do Grameen Bank em projetos de social business:
  • Danone (produção de iogurte para reduzir desnutrição)
  • Credit Agricole (financiamento de projetos agrícolas)
  • Otto Group (a maior concorrente da Amazon, que vai construir uma fábrica de tecidos, cujos lucros serão reinvestidos somente em projetos que beneficiam Bangladesh)
  • Basf (produção de rede de mosquitos para reduzir malária)
  • Intel Corporation (tecnologia e informação para reduzir pobreza)
  • Veolia (produção de água nas áreas rurais, em que a contaminação por arsenico é grave)
  • Adidas (produção de sapatos a preços baratos, para que a população possa se proteger de doenças e áreas contaminadas) 
Definição de social business que o Professor Yunus usou em uma palestra na Índia em dezembro de 2009:

"A social business is a business where an investor aims to help others without taking any financial gain himself. At the same time, the social business generates enough income to cover its own costs. Any surplus is invested in expansion of the business or for increased benefits to society. The social business is a non-loss, non-dividend company dedicated entirely to achieving a social goal" ... "Social business gives everybody the opportunity to participate in creating the kind of world that we all want to see. Thanks to the concept of social business, citizens do not havve to leave all problems in the hands of the government and them spend their lives criticizing the government for failing to solve them".

Hoje não teve fotos. Achei que seria não profissional tirar fotos no primeiro dia de trabalho. :)  Amanhã eu compenso.    

Acho que eu nunca tinha passado mal com poluição antes de hoje. Sufoco. Vai ser bom passar a semana toda no interior.

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