sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Reflexões de Sexta Feira com cara de Sábado

O Professor Yunus, quando está em Dhaka, vai ao escritório na sede do banco todo dia. Chega cedinho e é um dos últimos a ir embora. É gentil, educado, escuta as pessoas e sempre lembra o nome de todo mundo. Não tem ninguém no Grameen que não tenha muita devoção a ele. Já até tentei pegar alguém no pulo ou em contradição, mas não consegui. Pensei ... "ou o discurso está muito bem ensaiado, ou ele realmente sabe comandar um time" (depois de ontem, fico tranquilamente com a segunda opção).

A casa do Professor Yunus é dentro do comdomínio da sede do Grameen, em Mirpur mesmo. Uma casa de dois cômodos, simples, sem ar condicionado ou qualquer frescura. Ele tem duas filhas. Uma vive nos EUA (filha do primeiro casamento dele, quando ele estudou nos EUA um pouquinho antes da independência de Bangladesh) e a outra aqui, com ele e a segunda esposa. E sim, eu vi a casa dele. E não, não tirei fotos. Achei que era demais. 

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Levei um susto hoje. Dhaka não me parece mais tão esquisita. Na verdade, os detalhes exóticos e a sujeira deixaram de me incomodar. Acho que  finamente me acostumei com o cenário local. Quando você fica muito tempo em um lugar diferente do que você está acostumado, será que começa a enxergar a beleza não óbvia ou acostuma com o diferente? Será que isso é bom ou ruim?

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Ontem, enquanto eu discutia um pouco mais sobre os detalhes operacionais dos empréstimos e políticas do banco em campo, descobri outro aspecto essencial e especial do Grameen, além da disciplina e confiança. Bom senso.
 
Todo mundo na administração assume que todos os agentes de campo, dos mais juniores aos mais seniores, vão agir com bom senso. As regras existem, mas os field agents, o branch manager, o area manager e o zone manager (o último chefe do anterior e o anterior do outro anterior) têm autoridade para tocar os empréstimos e renegociar com bastante flexibilidade (dentro de alguns limites maiores, claro). Essas pessoas também têm autoridade para implementar novas branchs pelo país e sugerir melhorias e ajustes para a administração em Dhaka. Na sede eles dizem: “As regras do nosso banco são feitas para serem aplicadas por homens, não máquinas. Por isso, elas não podem ser imutáveis ou cegas”.
 
Quão incrível é isso? Quão mais incrível é o fato de o pessoal nos campos ter, de verdade, mais autoridade que o pessoal da sede no que se refere aos clientes? E dá certo? E as pessoas pagam as dívidas? E o banco dá lucro e distribui dividendos? E todos parecem felizes trabalhando aqui? E todos gostam dos seus líderes e os respeitam? Afinal de contas, “são eles que estão com nossos clientes, eles vivem lá, eles observam tudo, eles conhecem as suas vidas e as suas rotinas e as suas dificuldades. Então, eles devem e podem operar os empréstimos e nossas atividades de acordo com o seu bom senso e justiça. Eles sabem o resultado que queremos alcançar”.

Esse é o sonho de qualquer jurista idealista. Criar valores, princípios, regras, mas permitir que os operadores das idéias e das regras tenham autonomia. E mais, presumir que eles seguirão as regras e os princípios, da forma mais justa possível, com as exceções que se fizerem necessárias. E aqueles que assistem exceções serem implementadas confiam que aquela foi a melhor decisão tomada por quem as tomou. É exatamente o oposto de qualquer instituição moderna que eu conheço. A filosofica daqui é diferente, é incrivelmente simples, básica, e de novo, quase ingênua. E assume o melhor das pessoas e não o pior. E assume que todos vão cumprir as suas tarefas, e por conta disso o princípio como um todo funciona. E assume que todos vão checar os fatos, escutar as versões, entender a situação. Excelente exemplo de comunicação, num mundo tão carente disso.

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