terça-feira, 9 de novembro de 2010

Rajshahi - Parte 4 - Fatos e Casos

No Grameen não tem guarda. As pessoas pagam suas dívidas nas reuniões de grupo, no meio de um monte de gente, os funcionários circulam com o dinheiro do banco pra lá e pra cá, e aqui na sede em que eu estou hospedada tem dinheiro guardado. Nada de guarda, segurança, arma. Eles se orgulham disso. Em toda a sua história, o Grameen sofreu um único assalto, há 5 anos atrás. Nunca mais. O Professor Yunus agora anda com um segurança ao seu lado – o governo insistiu que não era seguro para ele sair na rua sem proteção.

“Eu não tinha pensado nisso, mas corremos o risco de sermos assaltados nessa sede?”, perguntei ao intérprete, ativando a minha neurose paulistana.

“Não”.

Foi convincente o suficiente. Esqueci o assunto.

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Outro dia escutei uma história curiosa e irritante: várias ONGs entram no país, dão crédito para os clientes do Grameen, sem qualquer disciplina ou processo, os clientes ficam com muito dinheiro na mão (para os padrões daqui), param de trabalhar ou começam a gastar dinheiro com bobagem. Perdem as reuniões de grupo e eventualmente acabam deixando o programa. Depois de um, dois, três anos, a ONG vai embora, se instalar em algum país atingido por um tsunami ou terremoto. A fonte de dinheiro fácil do cliente vai embora, ele cai na miséria de novo. E volta a procurar o Grameen.

O pessoal do Grameen respeita o trabalho das ONGs e diz que muitas fazem trabalho sério. Outras gastam seu dinheiro de forma estúpida e irresponsável, não educam ou ajudam o povo, e vão embora, do dia para noite. O pior, é que eles e os sponsors deles nem sabem disso.

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O ritual do meu banho aqui é trabalhoso e engraçado. Acordo perto das seis da manhã (luz no quarto ...), e ainda dentro da tela de mosquitos passo repelente para chegar até o chuveiro. Parece exagero passar repelente para ir tomar banho, mas no banheiro, de madrugada, tem sempre um grupo considerável de insetos traiçoeiros e nojentos e pernilongos famintos me esperando. O banho é gelado. E tem pouca água, mas a água é clara, o que é um alívio. Toda vez que vou no banheiro daqui agradeço muito por ter trazido as minhas havaianas. O espelho do banheiro é do tamanho de uma foto 15 x 18 e está meio quebrado. A toalha, como contei, é na verdade um xale para cobrir o meu cabelo. Todo dia ela fica pendurada no sol (que não falta aqui), secando para o dia seguinte. Na volta ao quarto, pulo para dentro da tela de insetos novamente, para uma nova sessão de repelente. Pronto. Depois desses passos redundantes, estou pronta para me trocar, pentear o cabelo, escovar os dentes (com água mineral) e ir procurar o intérprete para esperar pelo café da manhã.

O café da manhã aqui geralmente tem água, chá, ovo, mingau (muito bom, e parece um arroz doce com leite condensado, mas no lugar do arroz eles colocam um macarrãozinho) e um tipo de panqueca local (frita). De vez em quando tem banana e como eles descobriram que eu gosto de bolo, eles compraram um no bazar (é como eles chamam a vila das lojinhas aqui perto) no meu terceiro dia e desde então esperam que eu coma ao menos um pedaço toda manhã. Meus anfitriões, homens e mulheres, são extremamente gentis, solícitos, preocupados e educados. Fico até constrangida com a serventia exagerada deles. Eles acham que eu sou muito alta, magra (e branca), e estão sempre insistindo para eu comer mais e mais. Me peguei mais de uma vez escondendo comida no bolso da calça para não precisar comer e não ser rude com o pessoal daqui. Parece maluquice, mas eles não aceitam não como resposta e ficam ofendidos se você não experimenta a comida deles. E eles me trazem cada coisa para experimentar ... Honestamente, acho que eu tenho sido valente ao provar as maiores bizarrices que o povo daqui come, mas o problema são as mãos que carregam a comida ... de vez em quando não dá para encarar.


Café da Manhã!

Snack da tarde na ...

biboca local ...

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Para almoço temos sempre arroz (eles comem muito arroz por aqui), algum tipo de legume ou vegetal (espinafre, abobrinha, brócolis, cenoura, batata doce) sempre super apimentado ou com curry (delícia) e alguma proteína: frango, peixe ou carne (com mais pimenta).

Durante o dia todo toma-se chá, com gengibre e melaço. Geralmente não tenho fome no final do dia e tomo apenas um chá com torradas antes de ir para o meu quarto. O jantar é servido ao lado do quarto (o intérprete sempre come a minha parte e a parte dele) e é bem parecido com o cardápio do almoço.

Parece que a fome que devastou esse país no início da década de 70 criou uma necessidade inconsciente das pessoas daqui de comer sempre em quantidade exagerada. Eles comem muito e servem porções dignas de uma cantina paulistana. Pelo jeito estou num lugar privilegiado para os padrões rurais de Bangladesh, mas é bom ver que a vila produz alimentos suficientes para todos. Aqui, diferentemente da cidade, não vi ninguém pedindo dinheiro ou com cara de doente. Todo mundo trabalha muito no campo, mas todos parecem saudáveis. As crianças estão na escola e parecem bem também. São todas serelepes e risonhas, fazendo arte por todo lado.

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