terça-feira, 9 de novembro de 2010

Rajshahi - Parte 9 - Kafuria Natore

Fizemos uma pequena viagem hoje, para entrevistar uma outra branch do Grameen na divisão de Rajshahi, chamada Kafuria Natore, que fica há uns 40 minutos daqui. Eles atendem 3.155 pessoas, e a taxa de inadimplência lá é de 0.03% (acho que no Brasil eles arredondariam isso para 0%, mas aqui 0.03% é um número que conta).

A viagem foi uma aventura e quase morremos algumas vezes. O povo de Bangladesh está tão acostumado a tomar risco, que eles nem entendem mais a diferença entre uma situação de risco de vida e uma situação de risco de chegar atrasado em algum lugar. Acho que aqui é tudo mais ou menos arriscado de forma padronizada: você pode se atrasar, ou ser atropelado, ou atropelar um monte de criança na estrada, ou matar um cachorro, ou virar a carga na estrada, ou nada disso: chega são e salvo no seu destino final. E parece que qualquer resultado para eles está bom. Não sei não, mas as estatísticas desse lugar definitivamente trabalham para o benefício das pessoas.

Conheci a Seara hoje. Uma senhora que parece ter 60 anos, e, como muitas outras aqui, não tem noção de quantos anos tem. O pessoal do Grameen disse que ela tem entre 45 e 50 anos. A Seara é um exemplo de cliente do Grameen que ainda não conseguiu ter um negócio bem sucedido e não vai tão bem como outros mutuários. Ela está com o Grameen há 21 anos. Quando entrou para o banco, antes de casar ainda, começou a produzir cebola e arroz e sua vida começou a melhorar. Casou-se, teve dois filhos: uma menina e um menino. Colocou os dois na escola e os dois terminaram os seus estudos. Nem a Seara, nem o marido dela, já falecido, foram para a escola. Seus filhos foram os primeiros na família a conseguir estudar (por conta dos empréstimos do Grameen). A menina foi “casada” pelos pais e mudou-se para longe, onde o marido mora. O marido da filha não deixa ela visitar a mãe e faz anos que a Seara não tem notícias da filha. O marido da Seara morreu há 10 anos e o filho de 25 anos não trabalha. Ela sustenta a casa e o filho vagabundo, e gastou todas as suas economias antes do marido morrer, com o tratamento médico. Não conseguiu estabilidade financeira depois disso. O Grameen continua emprestando, ela continua pagando em dia, mas não sobra muito para melhorar de vida. Hoje a Seara cria galinhas e patos e vende os ovos. E sustenta o filho vagabundo.

A Amena tem algo como 50 anos. Ela também não sabe quanto anos tem. Amena casou-se com um homem que tinha 5 filhos com uma outra mulher falecida. Amena e ele tiveram mais 10 filhos juntos. Ela passou a vida cuidando de 15 crianças, porque o marido morreu quando todos ainda eram jovens. Com a ajuda do Grameen ela colocou todo mundo na escola, casou as filhas (e segundo ela gastou todas as suas economias com o casamento de 7 meninas). Um dos filhos é muito doente e é o único que ainda vive com ela, todos os outros se casaram. Não entendi qual o problema do moleque, mas basicamente entendi que metade do tempo dela ela fica ao lado dele, ajudando com as necessidades mais básicas. Por conta disso, ela não consegue trabalhar tanto quanto gostaria e não consegue melhorar de vida. Apesar disso, a Amena tem 3 refeições diárias, tem cabras, galinhas e uma vaca e casa própria. Paga suas prestações com o Grameen em dia e os outros 14 filhos ajudam ela a manter a casa.

O branch manager da Kafuria Natore me disse que muitas mulheres clientes do Grameen somente prosperam e desenvolvem negócios lucrativos quando seus maridos as deixam ou morrem (?!!!! - não resisti e precisei dividir isso com vocês). A cultura e a religião predominante desse país, que segundo o intérprete (e eu concordo) é mal entendida e mal aplicada pelos mais simples e ignorantes, arrasta essas mulheres para a miséria. Alguns maridos ainda não deixam suas mulheres trabalharem (em todas as gerações, não apenas os mais velhos), outros pegam o dinheiro do empréstimo do Grameen e gastam com bobagem, outros usam as mulheres como “laranja” para pegar empréstimo para eles no banco e na verdade eles tocam os negócios da família.

“Vocês não podem começar a educar esse povo e a fazer eles entenderem que não está certo esse comportamento?”

“Não. Tomamos a decisão de não enfrentarmos os costumes dessa forma, pois começaríamos uma guerra política e religiosa contra nós. Temos que ter paciência. Hoje é muito melhor do que há 30 anos. Em mais 30 anos chegaremos onde queremos”. E dá-lhe paciência.

***

Saldo final de palavras em Bangla que eu aprendi a falar até agora (além do grito de gerra do Grameen):

Obrigada - Dhoonnobadh

Meu nome é Marina – Amar nam Marina

Sou do Brasil – Amar desh Brasil

I Love you –Ami tomake bhalobashi

How are you? Tumi kemon aso

I am fine – Ami bhalo asi

I am hungry – Ami khudharto

I do not know how to speak Bangla – Ami bangle janina

Também aprendi a contar de 1 a 10 ...

Não existe uma palavra que significa bom dia ou olá aqui. Então aprendi uma expressão em árabe, que todo mundo usa:

Assalamu Alaykum

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