segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Começo do fim

Apesar das horas andarem mais devagar nesse canto do mundo, minha estadia em Bangla chega ao fim.

Os últimos dias foram longos e observaram ordem e lógica muito diferentes das que eu estou acostumada no Brasil, mas olhando para trás só consigo ter uma sensação: foi tudo muito rápido. Criei uma rotina e não vi o tempo passar.

Quem me conhece bem, sabe que eu adoro organizar meus dias com pequenas tarefas. Fiz isso aqui também, claro. Todo dia de manhã tinha a leitura do jornal local, a conversa com os garçons e os porteiros do hotel, o bate papo com o motorista do taxi (muitas vezes por meio de mímica, pouquíssimas vezes em inglês), trânsito, moedas aos pedintes, fotos, fotos, fotos, função/trabalho do dia, calor, calor, calor, rickshaw, volta para casa, mais trânsito, ginástica (essa parte não existiu em Rajshahi, claro), jantar (algumas vezes com a companhia do intérprete ou de alguém do Grameen, mas na maioria das vezes sozinha), blog, skype, banho, cama.

No meio disso tudo lavei as mãos mais de dez vezes ao dia, conheci mulheres e crianças, trabalhadores, mendigos, doentes, políticos, embaixadores. Gente triste, gente feliz, gente magra, gente muito magra (não tem gente gorda aqui ...), gente simples, gente mais simples, gente miserável, gente do bem. Gente malandra e esquisita também.

Visitei dezenas de reuniões de centros de mulheres, casas e pequenos negócios, fui em mais de dez branchs do Grameen, conheci visitantes de todos os lugares do mundo. Viajei por três Divisões de Bangla, sobrevivi a longas viagens de ônibus, conheci vilarejos diversos, andei de CNG, rickshaw, taxi, Mercedez branca, ônibus e peguei carona em carro blindado da Unicef.

Convivi com o exército na porta do hotel e no corredor do meu quarto por três dias. Fiquei amiga do esquadrão anti-bomba do hotel e do banco. Aprendi a fazer melaço, fui abastecer o carro com meu motorista em duas ocasiões em que quase ficamos sem combustível (a fila para colocar gás é uma maluquice e depois das 3hs da tarde ninguém consegue gás em Dhaka), fui a dois shoppings centers bengali, a um mercado de frutas, a um mercado de animais, conheci a rua das embaixadas, o bairro "supostamente" dos ricos, visitei mesquitas, templos hindu (a maioria esmagadora deles destruída pelo exército do Paquistão durante a guerra da libertação em 1971), aprendi meia dúzia de expressões em bangla, tomei alguns sustos, participei de um atropelo de cachorro, fiquei chocada em algumas ocasiões, e assustada em outras.


Num momento de baixa de QI, deixei as mulheres de Rajshahi aplicarem mehedi nas minhas mãos (está um horror e essa tinta vermelha não quer sair). Vi uma vaca e uma cabra serem degoladas: uma ao vivo e outra na televisão. Não passei mal nenhum dia! Até prova em contrário, não peguei dengue, ou malária, ou qualquer outra doença esquisita e primitiva. Comi de tudo. Tudo mesmo. Água, só engarrafada, até para escovar os dentes.

Fiz muitas reuniões com a administração do Grameen, conversei algumas vezes com o Professor Yunus, e tentei fotografar e registrar, sem a máquina, na minha mente, tudo o que eu passei nas últimas semanas. Não apenas as imagens, mas os sons do trânsito, o cheiro, o ar, as pessoas, a música, as risadas, os choros, o caos e a energia do país e do povo Bangla. E acreditem, a felicidade e força deles também. Senti mais alegria do que tristeza no último mês. Vivi e aprendi os princípios e a cultura de Bangla e do Grameen e depois de várias semanas, posso dizer que o banco faz algo de especial por aqui. Existem problemas e dificuldades, sim, o programa de microcrédito não é perfeito, mas sem dúvida alguma é muito melhor do que se pode esperar. E consegue ajudar as pessoas, apesar do governo, das greves, das manifestações surreais, da religião, da cultura, da opressão contra as mulheres e das catástrofes naturais que destroem o país, ano sim, ano não. Para completar, o governo de Bangladesh é considerado pela ONU como um dos, senão o mais corrupto do mundo. Mesmo assim, o povo acorda e dorme todo dia, trabalha, planta, colhe, viaja, celebra, produz filmes, escreve livros, se educa e tenta ir para frente. Alguns conseguem, muitos com a ajuda do Grameen, muitos não. Muitos são felizes, contra todas as probabilidades. E muitos são mais serenos que muitos paulistanos nos Jardins.

Por fim, sugeri ao hotel que trocasse o som ambiente do lobby e dos restaurantes, principalmente quando soldados armados e membros do serviço secreto frequentam o local, em meio a uma rebelião nacional. Todos os dias, sem exceção, escutei a trilha sonora de "O Fantásma da Ópera", "Romeu e Julieta" e "Meeting Joe Black", repetidamente, várias vezes ao dia. Algumas vezes ao vivo, com um pianista assustado, tentando acalmar os hóspedes.

Pois é. Essa é a descrição que eu teria feito sobre a minha viagem, se me pedissem para contar, em poucos parágrafos, como foi a minha experiência em Bangla. Apesar das dezenas de posts, sim, acreditem, eu sei ser concisa.

Para aqueles que estiverem entrando no blog pela primeira vez hoje, e tiverem com paciência média, pequena ou nenhuma, você deu sorte: esse post é uma short version, menos dramática, dos últimos dias! Para os colegas de profissão que já viveram uma prova da OAB, esse post é o “Maximilianus” do blog da Procknor. Não tem fotos, não tem detalhes, não tem vírgulas e parênteses, mas resume de forma decente o que eu vivi aqui. Aos não advogados, ou aos advogados CDF, desculpem a piada sem sentido.

Para aqueles que me acompanharam desde o início dessa viagem, e por algum motivo continuam com paciência para ler o que eu escrevo, ainda tenho alguns poucos posts e comentários sobre Bangla, mas sinto informar que eles estão chegando ao fim. Daqui a pouco a aventura da Índia começa. Sensação de missão cumprida, em todos os sentidos.

Enquanto eu tiver audiência, continuarei por aqui.






5 comentários:

  1. adorei o blog!
    Li todos os dias!
    bj

    PW

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  2. Ma asou sua fã....
    Amei li todos os dias!!!!
    bjs Carola

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  3. Sensacional Ma....

    Sou fã tbm!

    Aguardamos a sua volta e sessao de fotos exclusiva para a familia!

    bjs, Mari (prima)

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  4. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  5. Querida Marinoca, fiquei um tempo sem ler, agora to catching up. Adoro Vc e seu jeito de escrever. Hoje é dia 03 de janeiro de 2011, e só posso desejar de todo coração um novo ano tão excitante como 2010. Luv da Pri e meus meninos.

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